à Garcia Homelt e Elizabeth Márquez

Escrito pelo poeta Otildo Justino

Então, tudo isso faz sentido? Não percebem que só vocês são importantes para vocês mesmos? A poesia não é música que se dança, que se mostra para a multidão. A poesia é bicho. É coisa do abismo. E sinto hoje. Essa chama que me rasga a alma. Como é bom sofrer. Queria poder dar esse sofrimento ao mundo. Quem sabe, poderiam ver as coisas como elas são de verdade. E como elas me sentem. E, onde estou é escuro. Não há luz. E é onde permaneço nesta causa de lapidar silêncios. Mas confesso: gostaria de não sentir nada. Não sentir nada é poder ser ninguém. Eu tenho muitos nomes por carregar. E pesam-me na boca. No osso da língua. E é um holograma de água. Sinto-o. Por isso estou enviando tudo directamente dos dedos. Se pudessem ver a voz que trago nas mãos. Até o oceano é pequeno. Afinal poesia não é isto? Água sólida. Dizer coisas que só a alma sabe. Distorcer o mundo. E sofrer com um sorriso. E digo mais, o poeta, o poeta assusta-me, tirem isso de mim. Isso dói. Tenho medo de ser assim pelo resto da vida. E penso sempre na escuridão. Há aqui morte e vejo-a. Mesmo que me digam que são apenas crianças. Não há dor que não se sinta por uma criança. Não há criança que não sinta o vento a cortar a noite. O holocausto da palavra. E estou com os poemas longos nas costas. Nas línguas. Nos pés. E sei que o silêncio ouvirá esse vazio. Porque deus é real. E nós não existimos. Então, consegues gerir isso? Talvez não consigas, eu também não consegui. É preciso muita coisa para suportar esse fardo que se chama língua. E se eu estiver doente, uma doença do século sobre o meu sangue. Mato-a com a navalha da minha linguagem: finalmente descobri a poesia. Espero que não seja tarde. Sei onde ela mora, e sei que é preciso ter coragem de morrer, rasgar o peito, para escrever um bom poema. Não livro. Livro é coisa do futuro. Eu não gosto de livros. De promessas. Livros são prisões de falas. São anéis entre o poeta e a sua dor. Eis a única verdade. Eu gosto, é de inexistir. Dormir. Não sentir nada. Apenas isso. Porque sei que melhor que a morte é o amor. Mas eu tenho alma mole para essa pedra que voa. Emprestem-me a vossa. Eu sou difícil. Eu preciso de um pouco de tempo para nascer. Estou na ilusão da ilustração. Prefiro a árvore de sal. Viste aquele azul entre os ramos? Aquilo dava uma boa máscara ao osso. Mas tu não me entendes. Eu sinto isso. Por isso o poema morreu no meio do beijo. E não há volta. A morte é irreversível. Egoísta. No céu é longe demais. As escadas são logaritmos da pele. A escrever a fissura da nuvem. E a geologia da boca é um bom princípio para conhecer o sentimento. Talvez a pedra seja a única coisa que realmente existe. Já pensou nisso? E outra coisa, não confiem no que escrevem. A poesia é movediça. Instável. Às vezes, antes disso, lembro de quando descobri essa palavra “às vezes” eu gosto dela. O “a” com aquela ponta inclinada. É bonito. Mas para quê? Para quê serve isso tudo? Alguém sabe me dizer? Para quê serve a angústia. O medo. A depressão. Para quê serve a poesia? Se onde eu quero estar está ocupado? Meu corpo está ocupado pelo mundo. Eu tenho que resistir. Poderia correr como fiz naquele dia com chuva, relâmpago. Mas os pés pesam a humanidade. A guerra que travo dentro da alma é maior que o universo. Agora conheço melhor os abismos quando a luz escorrega do túnel. E não sei se isso vai valer a pena. A flor. Povo, a felicidade é coisa assustadora. Não mostrem a ninguém. Escondam-na. Há tanta gente infeliz. Mostrar pão a famintos é fatal. E então, estou bem? Digam-me? Estou? E outra coisa: a poesia é uma cobra. Não falem muito baixo, as pessoas não vos escutam direito. Isso um dia nos vai matar. E o chinelo. É sempre o chinelo. Todo mundo quer um par de asas. Porque a estrada está cansada de infinitos. Não presta. Está ruída pela ferrugem do tempo. Pelo vestido da memória. E o chão de arroz onde ele pousava, já não existe mais. O fogo queimou o lume. E quando o tempo morre, não há amor que resista. Porque vocês não respeitam nada. Não respeitam a dor e o sofrimento dos outros. Sabem o que é escrever um poema? Não sabem. Porque para vocês isso é diversão. É brinquedo. São apenas palavras. Para encantar o mundo. Estou de bloco posto ao chão. Ao mármore. Papiro. Tinhas que me corrigir. Sim, eu sei que sou a única individualidade da minha vida. E sou culpado pelo mundo. Mas me ajude a sair dessa. Prometo que não volto a errar. Preciso de ti. Vivo. A morte é a única coisa que não exige esforço. A morte não existe. Não nos existe. Eu preciso da fuligem que rasga a pétala das mãos nas madrugadas. O orvalho que incendeia o tecto da casa. Não sei nada da música que toca longe. Nem do ruído da ferida que tenho dentro. Apenas preciso de paz. Onde é que se vende paz neste país? Troquem a minha vida por isso se for preciso. Paz. Por um sono tranquilo. Por uma morte cheia de pássaros e arco-íris. Sei que não chega. Ainda não estou maduro o suficiente. Sei. A poesia é uma eterna tecelagem. Nunca estarei. Ninguém está. Ninguém. Mas depois disto, vou sorrir, pois não? Mesmo que me digam que isso nunca vai acabar. Vou tentar com todo lustro erguer os tentáculos da ciência do vazio. Pior que sei. Pode parar um tempo, mas depois volta. E dói. É isto que vos digo, mas sei que ninguém vai entender mesmo.

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