Conto de Edmira Cariango Manuel

Texto de Edmira Cariango Manuel

PINCEL TEXTULAR

Entre rugidos, silêncios são aves. Alaridos são simplesmente passos sobre a estrada. Talvez não. Esqueçamos a mais alta possibilidade de eu em um acesso de certeza estar um segundo apenas a declinar para o bárbaro erro da generalização. Este é apenas um exercíco de dizer palavras desconectadas de silêncio ou uma exposição fragmentada do eu. Eu mesma. Como sempre me tenho tido. Tudo o que um leitor como eu não precisa é de uma escritora como um dos meus mais eus ou menos existência exibindo o acto de pensar como uma correcção da estrutura natural das imaginárias correntes do génio. Ou um talento, mas diga apenas eu: pare de escrever sobre letras amarguradas um destino passado que mesmo tendo ficção escrita não é. Se de nada nada é possível de ser feito, de tudo um ser jamais será tido existente. Este é um exercício de só andar na escrita. Jamais compreender o exacto passo trilhado sobre nenhuma certeza.

Um adeus ou uma porta aberta sobre o nada. Mas é uma luz que vem de toda escuridão eterna ser. Isilda poderia ser alguém ou ninguém. Mas ninguém ou talvez eu evoca um simples nome como pessoa que se pode transformar na escrita e dar-lhe contornos de ninguém. Isilda pode talvez ser eu, mas a certeza que não tenho é de a ver uma substância do vazio. Uma Isilda apenas pode ser toda vida que não sou.

Então pode partir daqui a ideia da contrução dessa prosa incerta, sem sexo nem política, muito menos a envegonhada coragem de me escrever um país em tamanha decandência existencial. Tudo que devo dizer é apenas um fio de escrita afogada nessa página de entulhos. Apenas um exercício de balançar o olhar e nada achar por impossível que seja nada escrever ou dizer por cima de tanto absurdo. Já disse tudo, mas vou continuar o amontoado por essa obrigatória paragem.

De passadas fomes, parmanentes sacrifícios de espera. A comida não vem. Aqui também é a pátria dos desnutridos. Não escrevo. Ou o meu texto de descolagem para por aqui ou o país é um barco vazio de estima nem soberba. Que soberba? E que orgulho? Vou complicar a continuidade e agora dizer Isilda! De um negro inexistente baton nos lábios que de silêncios esmagam a terra de santos beijos, Isilda é esta que crio. Creio ter existido. Talvez uma correcção. Mas por quê? Por que Isilda aqui?

Pintura de João Timane
Pintura de João Timane

Mais anos passados, menos vida nas ruas. Isilda era a vizinha invisível. De segunda à sexta, da madrugada à noite, Isilda era apenas dois olhos virados para uma tela, o seu estômago. Trabalho e comida, trabalho comida ou comida o trabalho. Isilda bebia escritas através do filtro dos seus olhos. Na verdade, de tanta crítica, Isilda abandona todas as vozes e fica trancada numa não existência, revisando e corrigindo textos. Além disso. Negava propostas de emprego por noites longas consigo mesma. Era um vício ou como diria o Analista, um transtorno sei lá do quê, porque para mim que era possível enxergar os dados da sua ausência ela era-me saudável com excessão dos olhos que há muito pareciam ter ido encontrar a fonte da sua energia nos esconderijos das suas pernas. De lá surgiam até gramáticas de como nada dizer nem desejar além de sentir a sua própria presença. Usufruir na sua caverna de egoísmo a imagem despida do seu corpo com o rabo posto sobre um banco de algodão colorido e transpirar almas jogadas no ventre de qualquer uma escrita. Entre o tédio e o relaxamento, o alimento de Isilda é a escrita.

Isilda, Isilda, Isilda, o namorado virtual, também revisor, com a descompreensão que adquiriu da tarefa de Isilda que se diz apenas trabalhar para se manter saudável sem passar fome nem tédio, mas que ganha um valor de cinco a sete mil por cada trabalho revisado e ainda tem a santa coragem de encher a boca dizendo que precisa mais dos clientes e das almas empenhadas nos textos do que dos cinco ou dos sete mil kwanzas, rio seco de dinheiro. Não acreditei quando ouvi isso.

– Rende mais felicidade. Dinheiro vai dinheiro vem. Reviso textos para ser feliz.
– mas está a estragar o meu negócio, Isilda!
– teu é o que executas. Cada um trabalha na sua proporção. A qualidade é distinta e distinto é o processo. A preferência é do cliente.

Amor eu sinto porque sou Isilda. Uma inexistente trabalhadora e feliz por viver de e com textos. Um raciocínio salta de um texto para o outro utilizando um navio ou um hiasse. Sou Isilda porque reviso textos para ser feliz. Vivo do alimento de almas que se despem numa prosa escura ou de curvas, mesmo que desconexo e dis-sémico. Uso palavras do agora para manxar silêncios. No escuro do abismo, debaixo das minhas pernas, uso pincel e tintas para pintar pretas borboletas de tão voadoras.
Sou um feixe de luz desconexo e sem sentido. Esse exercício de calar o vento torna-me caçadora de aves nocturas: são pincéis em mim. Luciana Vita, pinto borboletas.

***

Edmira Cariango Manuel, revisora e crítica literária. Nascida em Luanda aos 9 de Maio de 1999. Membro do Movimento Litteragris. Tem textos publicados em: revista online Palavra e Arte (um ensaio); colectânea Escritos de Quarentena da Edições Handyman (um conto); antologia Volúpia das Palavras (texto de posfácio). 

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