Não há lero com Jack Daniel’s

0
507

Os bares e as barracas estão cheios de saudade. Os homens estão vazios de bar e barracas. De ver o carrancudo na terceira cerveja a libertar um riso que, na melhor das hipóteses, permanece intacto com o indivíduo estendido onde der para se encostar. Nunca chega a oitava cerveja.

Antes da queda, porém, habitualmente vertiginosa, liberta os seus versos favoritos, numa bela voz, um tenor que agarra pela surpresa de, repentinamente, o bar ser tomado por um gajo com uma viola sob o colo, que canta: buquês são flores mortas/ num lindo arranjo (arranjo lindo) / feitas para você, do Milton Nascimento.

Victor, semblante amarrotado, pousa os cotovelos no balcão, encaixa o rosto entre as palmas das mãos que formam um V onde acomoda o queixo. – Estamos fudidos! Vê o futuro a apresentar-se num vulto veloz, que dança ao passo da ironia das incertezas.

“Não precisa morrer para ver Deus” – canta Milton Nascimento e a sua voz liberta-se através do sound-bar JBL, que obedece a um repertório do Deezer. Victor nem consegue caminhar para o espaço contíguo ao seu bar, que recentemente alugara para receber mais gente, distanciada. – Estamos fudidos!

Na avenida 24 de Julho, o Marcelo a procura de uma Bottle Store, desesperado, às 12.50, só sente o ar a cortar com as indianas preto, branco, vermelho, nalgum ponto verde. Do passeio sente a brisa no rosto, que desenha a curva da barriga, quando a camiseta cede ao leve vento que sopra. A frota é enorme. Persegue com os olhos.

Bottle Store à vista! Zás, o gajo corre, três passos mal e consegue respirar. O cigarro lixou-lhe a caixa. Arrasta-se. Vê o guarda a segurar na grade com a mão direita e na esquerda o cadeado. Dobrado, com as palmas das mãos nos joelhos, a escassos metros, ainda liberta um: espera Boss.

O senhor gordo, barriga grande, que enverga uniforme de calças castanhas, camisa azul oceano e botas pretas com atadores verdes, não está a tratar. Ergueu-se na grade: se faz favor, peço uma Jack Daniel’s. – Estamos encerrados, senhor. Volta amanhã, às 8.00. Fecham-lhe a porta na cara. Cabam! Inconformado. Derrotado, na verdade. Recupera o fôlego, ergue-se novamente e na sua frente, na avenida, uma dúvida se instala: terá a Handling trocado de veículos? Terá, devido a crise, abdicado dos camiões pelas indianas preto, branco e vermelho, nalgum ponto verde: Txilar, 2M, Heineken, Manica, Jameson, Jack Daniel’s, Amarula, Escape, 1818, Tipo Tinto, Monte Velho, aquele vinho verde, a transbordar. O relógio marca 13.5h.

Artigo anteriorGlayds Gande estreia-se em livro com “Descobre os teus Super Poderes”
Próximo artigoUm alento: Mafalala no Top da norte-americana TripAdvisor 2020
É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here