Efeito placebo (ou ilusão em tempos de cólera)

Por: Pedro Pereira Lopes

Ele sorriu, os seus olhos eram uma chuva de cometas, todavia a cólera não lhe dava ânimo, três dias internado e a medicação teimava em desacerto. A sua cabeça acanhou-se dentro dos ombros, a enfermeira estava branca de anjo.

Sansão, chamou-lhe ela, abre a boca. Sansão obedeceu e ela atirou-lhe dois comprimidos goela abaixo. Engole, rápido! A enfermeira sorriu. Sansão não tinha forças, mas tinha a barba e a altura de um protagonista de novelas. Amanhã estarás melhor, disse, era mesmo um anjo.

Sansão agradeceu-lhe e ela pirou-se.

Na manhã seguinte Sansão sentiu-se curado. Revirou-se, entretanto, durante o resto do dia no catre. Mortificava-o aquele círculo no centro da cama, que servia para a evacuação; e ela, a enfermeira de vestes de anjo, o que fazia de tão importante, que não aparecera? Não é certo cativar uma pessoa, encher-lhe os olhos de meteoritos, e afastar-se assim, de maneira brusca. Sansão ficou sem fome e nem sequer tocou nas bolachas, que serviam aos doentes de cólera.

No outro dia teve alta médica:

Já não tens cólera, disseram-lhe. Sansão, dez quilos a menos, sobretudo por causa do amor que sentia, saiu recém-nascido do hospital.

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