A despedida

Depois de fazer as últimas anotações, José Chicote prepara-se para voltar à casa. Foi mais um daqueles dias para se esquecer, a lanchonete esteve às moscas, como tem sido normal nos tempos que correm. Dos casais que outrora aborrotavam o pequeno salão do estabelecimento em busca das delícias alí servidas, hoje sobram apenas memórias. Os mesmos são obrigados a ficar em casa, improvisar receitas novas para vencer as incertezas e o medo que assolam o país e o mundo. Quando muito, só saem para adquirir o básico.Chicote vive um dos epsisódios mais tristes de sua vida, tem de repôr a fita de inauguração no empreendemento que há muito sonhou construir. Terá de fechar as portas de um negócio cujas dívidas que o tornaram possível ainda não foram pagas. Muito mais que o encerramento de uma lanchonete, é mais um sonho frustado, o secar de uma fonte de rendimento. Antes de deixar o local, Chicote fiscaliza tudo. Confere as quantidades dos produtos nas prateleiras, consulta o que resta no congelador e separa o que pode ser levado. Triste, varre o local, limpa as mesas e arruma as cadeiras, como de costume. O seu desejo era poder fazer o mesmo no dia seguinte, mas sabe que tal não será possível. Caminha pela lanchonete. Cada pedaço de espaço conserva recordações, que são reproduzidas na mente de José Chicote. Pára em frente à máquina de sorvete, uma das princípais atracções da casa. Observa o objecto que outrora cuspia o conteúdo que dava mais doçura aos passeios de quem por alí passava, recorda-se da maneira talentosa como enchia os copos descartáveis que hoje estão vazios, no topo da máquina, sem saber se ainda servirão para o prpósito da sua existência.  Uma lágrima tscapa do seu olho esquerdo, transborda desce pela cascata do rosto e desvia na colina do lábio superior, indo parrar na boca, quando entra pela porta da cozinha, onde aplicava toda a sua arte. Dalí, saiam verdadeiras relíquias gustativas confeccionadas pelas suas mãos. O forno perdeu o seu calor infernal, pois as carnes que  deveriam ser assadas para os clientes, hoje são levadas em sacos para o congelador caseiro e vão garantir a sobrevivência dessa família durante o confinamento. Enconta-se num canto e assiste as suas imaginações. Revive os momentos em que transpirava de tanto socar a massa de trigo, o aperto dos pedidos que não paravam de chegar no horário de espedientes, bem como das diversas vezes em que pernoitou numa das mesas, por não ter como noltar para casa tarde. Num caminhar tristonho, abondona o local. Abre a porta principal segurando várias chaves  nas mãos. Do lado de fora, comtempla a paisagem dominada pelas acácias de frente para o lanchonete, de tronco coroído pela urina ardente dos homens e mulheres desta cidade. Volta-se à lanchonete, fecha as portas e tranca os cadeados.De costas, desce o degrau da pequena escada na entrada. Contempla a fachada, viaja no tempo em que a lanchonete era apenas uma barraca de dimensões menores, mas hoje é até uma referência. olha profundamente, prepara-se para abondonar o local, mas resiste. Um dos maiores conselhos que seguira em sua vida, era de sempre residir no sonho. Porém, chegou o momento de se desfazer dele, até uma data desconhecida.

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