SMS 3: Confesso que não gosto mais da fórmula

07 de Setembro de 2019. O dia está abrasador. O sol afasta as nuvens que tentam atrapalhar o seu brilho e caminha em direcção ao estrelismo. O cidadão levanta a cabeça, zonzo, sente os raios solares que atravessam a janela e roçam o seu rosto.

São 07 horas, ele pega o telemóvel e entra no grupo do Whatsapp para actualizar a agenda do dia. O cidadão recebe as ordens e imediatamente vê-se a dialogar com a água na casa de banho. Apressado, sente o líquido com cheiro de sabão bingo a deslizar nas suas costas, enquanto imagina qual rota deverá seguir até chegar à Praça dos Heróis.

O dia está eufórico. Volta para o quarto, tira as calças pretas de pano, os sapatos de couro e coloca as peças no seu corpo. Abre a gaveta de guarda-roupa, tira uma camisete vermelha, coloca-a na cama e acaricia a gola com uma mão e o símbolo do batuque no bolso com a outra.

O cidadão sente o cheiro da victória, é dia da Victória. Lembra-se das promessas feitas no passado minguado, doloroso e traumático que mal quer que se repita. Mas agora, com muito esforço, tem a convicção que os dias de glória se aproximam, e vê-se a discursar para um grande público:

-Povo maravilhoso, caminhamos juntos do Rovuma ao Maputo, do Zumbo ao Índico, e hoje estamos aqui nessa cerimónia para testemunhar a nossa victória, a Victória do nosso partido, e eu, vosso representante, farei de tudo para satisfazer os vossos anseios enquanto administrador deste distrito. A luta continua!

“Continuaaaa…”, sente o eco das palavras dos camaradas que o acompanham. Coloca a mão direita no peito, curva-se perante a multidão que ovaciona, enquanto assina o juramento do termo de posse. Naquele instante, os dedos tremem quando segura a caneta que vai garantir a inflamação da conta bancária. A garganta arde e os olhos deixam escapar a sua alegria em forma de líquido

Pensa na cadeira sobre a qual vai colocar as nádegas de segunda à sexta. Imagina os jantares da classe média-alta, as apostas no casino, os passeios aos fins de semanas, o cartão ilimitado a coçar a sua carteira, as roupas para a irmã, os filhos que quer ter,a fartura na mesa de jantar, a cerveja, o vinho, o champagne Francês, as miúdas…as miúdas…!

Volta-se para a multidão, bate palmas, dobra o joelho, agradece e vai em direcção à sua cadeira, enquanto seguem outras formalidades.

São 07 horas e 50 minutos. O cidadão regressa para o seu íntimo, uma lágrima escorre pelo rosto e pinga no sapato que já brilha no seu pé. Coloca a camisete e sai às pressas. Toma o transporte que o deixa na Praça, a dos Heróis, em cinco minutos. Desce, caminha e infiltra-se no meio à multidão.

Começa o discurso do dia. O cidadão escuta atentamente as palavras do camarada que está no pódio.

-Os nossos heróis entregaram a vida pelo bem-estar. Hoje, se estamos aqui é porque houve um trabalho de patriotismo, pessoas que se sacrificaram para que sentíssemos o sabor da victória, a Victória de termos conquistado a independência. Tenham calma, jovens, chegará o vosso tempo, mas primeiro devem saber sacrificar-se pela nação”.

O discurso lhe entra como uma espada no peito. Um calor intenso percorre o seu corpo e uma vibração estranha lhe abala. Repara ao seu redor e nota a euforia da multidão que assobia, das capulanas que varrem o chão e anunciam uma boa nova, dos comparsas que não param de fazer vénias, dos inimigos que abanam as cabeças, dos desgraçados que só vieram para criticar.

A raiva percorre o seu subconsciente. Levanta a cabeça, vê uma mosca e, com as duas mãos, desfere um golpe esmagador ao animal que tenta atrapalhar a fala do iluminado. Agora, mais leve, a ira começa a baixar, entra na onda, levanta a bandeira e canta glórias ao imperador.

08 horas e 50 minutos. O cidadão sai da multidão, caminha em direcção à uma das acácias e senta. O discurso terminou. Pega no telemóvel e entra no grupo para se actualizar das novidades. É tempo da campanha, sente o calor a picar-lhe a alma. Uma mensagem do secretário do distrito visita o móvel:

-Hoje não há almoço, mas o camarada presidente vai trabalhar nos principais mercados, temos de estar lá…

Desliga o celular, coloca auriculares, abana a cabeça enquanto ruma de regresso à casa…a pé! Pelo caminho, dança a música que toca no seu estômago…

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