Me ligaram

Ontem recebi muitas chamadas, sinto que também leram todos os meus post´s deste ano. Perceberam que só posto links desta coisa de Mbenga. Descobriram que sou produtor e sonorizador de um programa de cinema da Rádio difusão Portuguesa (RDP-África). Foram as minhas origens (Mafalala), olharam para a rua 3.016 às 6 horas da manhã, viram quatro miúdos a partilharem um GT com os dedos ainda com o aroma da suruma de ontem. Às 18 horas os miúdos ainda estavam ali, a olhar para o mesmo local. Às 20 horas os miúdos me viram, cumprimentaram com respeito, o sexto rapaz pensou em partilhar um cigarro artesanal comigo, mas desistiu, pois percebeu que estava focado em chegar à casa para apagar a lâmpada do quarto, escrever e ler até o sono me vencer.

Ainda tenho memória deste tempo, deste período particular da minha existência.

Dizia que me ligaram…

Na primeira chamada elogiavam-me, não pelo texto, mas pelo simples facto de ler Macamo. Nas entrelinhas fizeram-me perguntas, que nem soube responder, pois não percebi as intenções. No fundo só agradeci e grunhi: “Sim!”, “Ok!”, “Certo!”.

A pessoa do segundo telefonema gostou das técnicas de escrita que usei. Disse que utilizei uns jogos de palavras delicados e cheios de sincretismo. Escutei e dentro de mim disse: essa não era minha preocupação. Para início de conversa, até sinto que escrevi um texto monótono, sem estilismos; escrevi porque estava com insónia e queria partilhar, sem grandes intenções, que acompanho os textos daquele sociólogo.

A terceira e a quarta chamada advertiram-me que é sempre bom guardar as minhas opiniões para mim, pois o país em que vivemos está cheio de mentes que não estão afáveis a escutar opiniões que podem dar a entender que são contrárias. A terceira ligação disse-me isso, recorrendo a história do jornalismo em Moçambique. Assinalou que a “liberdade” de imprensa só surgiu nos anos 1990 e que depois da independência os jornais que eram ovacionados pelo seu espírito contestatário, pela sua postura revolucionaria no período colonial foram fechados, para maquinar a consolidação da manufactura do consenso. A quarta chamada não usou muitas palavras, apenas advertiu: cuidado!

Ignorei a quinta chamada, liguei para um amigo e conversei até pegar no sono. Enquanto conversava sobre coisas banais com o meu amigo Pretilério, escutei o uivar do décimo quinto cão, o animal que me efectuou a chamada que não atendi.

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