Esqueci a minha marmita

Estou a espera do transporte, a paragem vazia, sem carga, o sol toca minha pele, transpiro, minha caneta fica suada, já odeio escrever no papel, dá trabalho, transcrever as ideias do papel para o computador. É trabalhoso.

Estou sem rumo, sentado na base de um poste de alta tensão a visualizar o caminho: as poucas pessoas que tem de estar na cidade para encher o estômago e o ego: o trabalho também alimenta o espírito.

E eu? Estou a trabalhar. Este texto é trabalho – estas linhas que escrevo me garantem o salário. Escrevo porque tenho contas por pagar. Mas não é sobre contas que estou a escrever, é sobre fome. Agora só falo sobre isso: fome.

Sai de casa apressado, preparei tudo, fiz a limpeza, não como devia, mas fiz. Cozinhei, algo bem rápido porque o tempo é de crise, não há restaurantes, os carros take-away brincam de escondidas com os municipais corruptos e incorruptíveis. Mas o essencial são contas. Hoje fiquei a fazer contas e percebi que tenho que levar a marmita, o resto são histórias.

Olho para traz, recordo da minha saída, lembro que o cão me seguia. Latia. Ignorei, foi objectivo, tinha que pegar o transporte. Andei como um míssil predestinado. Senti a pasta vazia, mas minha mente também estava vazia, andar a pé é uma terapia, a cada passo que dás remóis os problemas, conversas com eles até encontrar a solução.  A consciência que pesa fica vazia e ti sentes solto.

No meio do caminho senti que  que havia esquecido algo, mas caminhei, pois sei que preciso chegar a meta, marcar a presença no teatro das operações.

O transporte chegou, a caneta também repousou. Não vou sentar, estou feliz, a marmita limitaria os meus movimentos. Estou a sentir os passos do cão, ele deve estar a caminho, sabe que estou com problemas de estômago. Por isso só falo de fome. Olho para a estrada, penso em pedir paragem, para ir ter com o cão e calar a fome, mas tenho que ser objectivo.

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top