PRESENTE DE EMERGÊNCIA

Escrito por Elcídio Bila

Marito, em toda sua existência, nunca se tinha dado ao luxo de acordar antes do sol, mesmo quando fosse trabalhar, antes do Estado de Emergência encerrar afábrica e os trabalhadores ganharem 30 dias de descanso, não se atrevia a tamanho sacrifício.

Hoje, não só se apressou ao sol, bem como não chegou de descer a cabeça como deve ser na almofada, isso para não falar de ter pregado o olho devidamente.

O homem, tristemente, empenhou-se, a noite inteira, em contar as lombas das chapas e descobrir umas tantas coisas que nunca vira no tecto, nas paredes e no chão.

Antes de abandonar o quarto, puxando na capulana que esconde a visibilidade da sala, também quarto de Wilma e Wezz, Marito fitou, a esconder, a sua esposa. A imagem de uma mulher traquina, porém atenta, lendo um livro, ou fingindo ler, não lhe saía da cabeça. Era como um martelo passeando a classe na sua testa. Pegou no celular para se certificar da chamada. Orou antes de desbloquear o telemóvel, pediu aos céus que aquele episódio tenha sido um sono. Mas não, a chamada atendida e tantas outras que ficaram por aí são mesmo do Mestre Carlos, sim, a tal voz desesperada que clamava por socorro.

O homem apagou todas as chamadas e mensagens com a mesma dose de fúria que Maria, certamente, levou para cama.

Finalmente saiu do quarto, mesmo com os pés amordaçados pela vergonha e sei lá mais o quê que explodia da garganta. Sim, quase os mesmos sintomas do coronavírus. Mas esses, ao menos, eram de cornovírus.

Aplicou-se na cozinha, depois de uma busca pela internet à procura de melhores gestos para abafar o incêndio da noite anterior.

– Amor. – chamou ele, mansinho. Nunca se tinha visto um Marito tão manso em toda a história do universo.

 Meu bebê. – voltou a chamar, enquanto lhe despertava com um gesto subtil das mãos.

Ela estava entregue ao sono, ou, pelo menos, ensaiava uma morte. Era de se estranhar aquela pessoa quieta, mesmo com alguns raios a forçarem a janela.

– Acorda, meu bem.

Finalmente despertou. Com todas as demoras, virou para onde vinha a voz mais romântica do planeta.

– Marito, o que é isso? – perguntou ela, com um sorriso a ser apertado pelo nó de amargura.

– É o teu café-da-manhã, amor.

– Oh, que lindo! – aprovou.

– Tu mereces…

– Mas, como preparaste tudo isto? – antes dele se atrever na resposta, a voz inquieta continuou: – não me lembro de ter visto queijo, uvas, maçã aqui em casa. Donde vem tudo isto?

– Vem do meu coração.

– Tu és um amor.

– Encomendei ontem, estas flores também. Dei um jeito de nas as ver a entrar.

Naquele instante, num golpe de mágica bem ensaiado, os meninos entraram com um buquê gigante de flores e uma caixa de bombons que ela adora, embrulhados por uma capulana, cantando parabéns.

– Feliz Dia da Mulher Moçambicana a mulher mais linda do mundo. – elogiou Marito, beijando a testa da sua amada.

Wezz e Wilma, em coro, também desejaram feliz dia à mãe, com beijos e abraços. 

Com os dois bem presos aos seus braços, baixinho, dirigiu-se ao marido:

– Depois falamos do Mestre Carlos, não pense que me esqueci. – soltou um riso sarcástico para não despertar a atenção da gentalha. Mas era tarde, Wilma nunca se deixou atrás de si mesma:

– Quem é Mestre, mãe?

Maria, sempre inspirada, chutou:

 É uma pessoa que também merece essas flores e esses bombons.

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