Remote control

ONTEM sonhei a andar tranquila na cidade; o vento a soprar contra os meus cabelos negros, a brisa a esvoaçar as minhas roupas leves. Senti que tinha personalidade no meio da multidão.

Acordei, entrei na casa de banho, tomei um banho rápido, e enquanto a toalha cumpria a sua função, memórias levavam-me a passeios tristes.

O PRIMEIRO TERRAMOTO

Acordei assustada, a terra tremeu. Mexi o remoto mais de 10 vezes e todos os canais do país falavam deste fenómeno natural. Será que é natural mesmo? Não sei, pode ser, talvez, tenho dúvidas, quem sabe?

A minha cidade, Carpi, tremeu. Primeiro pensei que fossem os efeitos dos anti-depressivos, misturados com os soníferos (vinhos e um maço de cigarros) que ontem consumi para pegar sono. Depois do banho frio até cogitei que fosse a materialização da teoria bíblica: o fim dos tempos.

Não sei o que mais me preocupa, o terramoto ou os tremores na minha vida: tenho 30 anos, não estou feliz no meu relacionamento e no meu trabalho, preciso de me “drogar” para dormir. Sinto que o meu mundo está a desabar. Apesar das revoluções, é complicado ser mulher independente na Itália. Aqui no Norte, somos tradicionalistas, formei-me fora da minha cidade e quando retornei tive de lutar contra todos e, principalmente, contra os meus sonhos de menina, que hoje não fazem sentido.

Estou perdida em revelações, mas o essencial é que a terra tremeu na minha cidade. A magnitude foi de 3,4, vi na televisão, que está a nos entupir com a gripe chinesa, criada, provavelmente, para garantir a hegemonia política do país mais populoso do globo.

O MEU PAÍS ESTÁ TRÉMULO: SEGUNDO TERRAMOTO

Hoje liguei para o meu ex-namorado, que está internado, tem o vírus. Engoli o meu orgulho, pedi para falar com ele, mas é complicado sair de Carpi para Turim, nesta época de crise. O Sistema Nacional de Saúde entrou em colapso e não tenho a oportunidade de estar com ele, para pedir que confirme o nosso noivado.

Ontem dormi tarde, é complicado estar presa na sua própria residência: fumei dois maços de cigarro, contra as recomendações médicas e provei quatro copos de vinho. Vomitei por 15 minutos, comi e  perdi os sentidos tentando conectar um canal que tivesse outro tema senão o c-19.

ESTAMOS TODOS EM CASA

Por causa da televisão, já entrei em pânico, pelas notícias alarmistas. Fiquei tranquila, mas senti um ar de omissão nos telejornais que dava a entender que “tudo vai ficar bem”. Sinto que vou entrar em colapso e a única coisa em que me posso agarrar são as migalhas de esperança que ainda conservo e o remoto.

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