Impressões 2.0

O sol, a beira-Tejo, em manhãs de Fevereiro, teima em não dobrar a esquina. E o cinzento da cacimba (nevoeiro) toma Chelas, entorpecendo a visão, vê-se menos de um metro a frente. Talvez na ressaca de uma farra na rua da Bica da noite anterior. Terá sido trancado naquela vila secreta, old School, onde a bica ainda jorra água, na fonte do Bairro Alto?
Uma manhã gélida, sem brilho, pedras escorregadias fazem o passeio, passo leve, obrigam coreografias aos transeuntes vestidos de roupas quentes para fintar o frio que teima em penetrar o tutano. Não custa sentir saudade do generoso inverno de Maputo, que já o considerei severo (retiro todas as minhas acusações, prosto-me por misericórdia).
Os sotaques angolano, cabo-verdiano, guianense cruzam-se, as vezes a cumprimentar a patroa da casa, a pedir explicação para confirmar algum endereço ou então de estudantes a chegar ao Instituto Superior de Engenharia Lisboa.
O sol, sequer espreguiça-se, sequer pisca o olho, está interdito de circular, provavelmente, outra hipótese, embriagado pela ginjinha que dá sabor as noites lisboetas. Ou de umas tantas imperiais de Sagres, precedidas de massagens a palma brasileira, quem sabe?
Quando o dia já ganha firmamento, num café, a estupidez humana obriga o senhor de idade a levantar-se da mesa no café, onde lê um jornal, para não partilha-la com um preto. Anda zonzo a procura de outro lugar para sentar. Enquanto o preto delicia-se com um café com leite e pastéis de nata, já sentado. O homem que limpa as mesas aproxima-se do preto e informa: preciso que te levantes, vou receber “gente” que quererá sentar-se aqui. Com o estômago abastecido, o preto aproxima-se ao caixa, saca os euros do bolso, paga a conta e retira-se com regojizo.
O verde dos jardins, o orvalho já sorriem a torta e a direita quando o sol tímido, gradualmente galga o horizonte, ante os 12 graus celsius. O destaque do obituário é a insensatez de um falecido líder da libertação em África que sucumbiu algures na Europa de uma dessas doenças caras. As suas arbitrariedades percorrem o negro das letras dos jornais, o seu rosto estampa-se nas estações de televisão, seu nome é repetido pelas rádios, no relato das atrocidades e cleptocracia que terão dominado o seu reinado, as peripécias da corte palaciana. Shakespeare, volvidos séculos, parece ter sido ele a escrever os espectáculos de finados (e vivos) de África.
Na rua Emílio Navaro, já por volta das 11, o sol cobre a via, o verde, o amarelo exibem o seu e esplendor. E outra neblina forma-se…

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