O lugar dos marginais (solidão): Soladas de Amin Nordine

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Marginal para um poeta pode ser a orla marítima, o beira-mar ao fim de uma tarde de verão, se procura a Beleza. Mesmo de inverno depois de um dia intenso.
Para a retórica política da oposição marginal é o excluído, o esquecido, o deixado à margem sob a brisa da desgraça. Neste diapasão vão também os sociólogos.
Amin Nordine (1969 – 2011), na procura do Belo, fixou atenção nesta última semântica, talvez por ser próximo de solidão. Lá está a polissemia desta língua.
“Soladas” (Cavalo do Mar), publicação póstuma, revela um olhar crítico do poeta sob uma sociedade que deixa a maioria de lado. A obra retrata o seu tempo. O autor de “Vagabundo Desgraçado” (1996), “Duas Quadras para Rosa Xicuachula” (1997) e “Do lado da ala-B”, perdeu a vida há nove anos. O status quo, porém, mantém-se.
Sem olhar a poesia como um veículo ideológico, sem ser panfletário, Nordine denuncia as mazelas sociais, os paradoxos vivenciais numa geografia dominada por duas cidades: Maputo e Beira.
Através de poemas curtos, imagens nítidas, joga signos e significados num malabarismo (só) possível e caro a quem trabalha a palavra consciente da sua potência. É polido, não no sentido do assunto, mas da construção poética. Terá dito alguém que o escritor quando escreve tem um elevado respeito pelo que sai, por esse labor. Sente-se neste poeta. Obviamente que nem todos que se dão as letras obedecem literalmente a afirmação anterior.
Neste livro cabem diferentes tipos de marginais, como este rejeitado do poema “H.B de Beira”: “Os dias visitam esquecer o tipo/Nenhuma mosca lhe poisa ferida/Poeta incorrigível/A sua dor baba algodão/E o seu olhar desenrola-se mais que ave” (p. 12). Remete a um desgraçado a definhar sem que ninguém dê por isso.
Com o mesmo rumo temos o sujeito poético de “Confronto”, anunciado na primeira pessoa, conclui: “Que estranho estrangeiro Moçambicano!”.
O sentimento de isolamento resvala no desespero que dá corpo a estes versos: “O Diabo nos guie/Porque tudo morreu/Menos a solidão costurada de vadios…” (p.29) no poema “Pano de fundo”.
O ponto de onde o poeta vê as cidades que fazem as paisagens menos abstractas de “Soladas” nos revela a relação de Amin Nordine com as mesmas.
Maputo parece ser o paraíso: “Beleza invulgar/Resistível a qualquer comparação” (p.11), declara no poema “Xilunguine”; em “Ka-Mpfumo”, escreve-nos: “É aqui onde a liberdade coruja fisga/ Reflexos de luz/ No rumo de azuis voos de curiosidade” (p. 19); ou ainda o texto “Maputo”: “Espelho da beleza/Sentinela farol do sol/ Carmesim das acácias/Eco do nome/Namorada que te quero morada da eternidade” (p.35).
A Beira, em contrapartida, é o desespero, o inferno. Acaba funcionando como a pintura de Michel Ângelo no tecto da Capela Sistina, no Vaticano, em que um lado é o inferno, outro o paraíso, com o purgatório no meio – é neste terceiro que deixamos Zalala, Muhipite e outros.
“Roteiro do Chiveve” é esclarecedor nesse sentido: “Pescando trevas/De hostis – hóstias de sol/ Lá vão lerpando cegamente na ponte/Escassas esmolas entardecendo” (p.13); ou “Munhava”: “Esquiva-se esquiar lamacentos estilos esquinados/ Do palato de silêncio severo/ Lombrigamos o aglomerado;/Os arrozais na peneira celestial/ Pirilampejam nas estrelas”.
“Soladas” é um pequeno livro diverso que sugere várias leituras, entre equívocos. Aliás, Sangari Okapi, em entrevista ao “Notícias”, pouco depois de ter apresentado o livro no lançamento, dizia: “é um livro que engana ao leitor”.

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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