Impressões

Um branco estampa o vazio da imensidão de prováveis começos deste escrito. Estou apenas a obedecer este espírito que me impele a este exorcismo. Escrever é isso: libertar-me da angústia da existência, é como se de oxigénio se tratasse, a nicotina para o tabagista.

Confesso: não sei o destino que este tomará, não sei qual será o fim, se é que um texto tem fim.

Achas que tem? Eu tenho cá as minhas dúvidas, senão, a prosa poética “O estrangeiro”, de Charles Baudelaire, já teria deixado de fazer sentido, por exemplo.
Envolvido em 14 graus Celsius de uma Lisboa que se vai, gradualmente, revelando brasileira, no meu segundo dia de estadia. Repare: tomo o café no Pão de Açúcar, no dobrar de uma esquina da avenida Almirante Reis, no Alameda. O azulejo da parede de fundo, no lado direito da entrada e do balcão, é a pintura daquele postal carioca e o sotaque das balconistas não deixa dúvida, aquela simpatia, aquele afecto.
Voltando ao que interessa, se é que interessa, se é que estamos de facto de volta, se é que alguma vez este monte de palavras juntas – a procura de sentido -, tiveram destino. Ainda assim, voltando, um frio leve lentamente toma o meu corpo franzino enquanto lá fora está sol. o frio penetra os ossos.
…enfim, tentando ser objectivo: Lisboa não parece outro lugar, um lugar desconhecido. É tão próximo. Percorrendo as ruas que ainda não sei os nomes, facilmente as similaridades de alguns edifícios, estradas revelam-se. Aquelas ruelas estreitas do Bairro Alto, as cansativas colinas, não me deixam esquecer a do Nhamas, onde deixamos tombar o primeiro hotel de Inhambane para dar lugar aos hóspedes de outros evangelhos (sim, de outros evangelhos).
E Lisboa vai sorrindo, um sorriso leve, sem dentes, um pouco gelado, distante, mas destila o seu charme, o seu ar simples e requintado. Se pálida não fosse, juro, juro mesmo, Maputo exibiria elegância. As lágrimas da guitarra que abre “Solace”, de dvdkm, num lo-fi próximo do jazz, fazem um fio a derramar-se no meu ouvido enquanto busco o ponto final (meras obrigações gramaticais) a este texto, a esta falta de ocupação, a esta construção de nada, a esta perda de tempo na escrita desta insignificância que só quero aliviar-me a existência… ainda és um mistério, Lisboa.

(2 de Fevereiro de 2020)

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