Poemas de Alberto Bresciani

Textos de Alberto Bresciani

CHIAROSCURO

1.
E então panos muito brancos,
penas muito brancas erguem-me
alto, cada vez mais alto.
Sobrevoo o deserto, florestas
de verdes que com verdes
nos trazem luz ao ventre.

2.
Bruscamente,
um lugar plano, vazio,
sem densidade, cor, corpos.
Uma dimensão que nos retém
no entre, ou nos faz engolir
os gritos de deus,
enquanto nada enxergamos
ou a tudo vemos,
embora a surdez
seja o naufrágio que habitamos.

3.
Eu lhe faço a mesma pergunta,
a mesma pergunta, a mesma.

4.
As fragas são lâminas
do cinzento que tinge o mar.

5.
Uma gaivota, uma única, pia.

TRÉGUA

1.
O limo, o bronze pegajoso
da terra vermelha, os espinhos
das plantas de dor, a própria dor,
as portas onde morremos,
as estepes repletas de lobos:
de tudo me esqueço, invento.

Os corpos crivados de balas,
as margens que renegam,
a vergonha do reino perdido,
o medo de dragões libertos:
aos porteiros seguros do mal
entrego insultos reversos.

2.
Por agora, corto os pulsos
dos dias que antes eram
– esqueço, invento,
entrego, alcanço –
enquanto desce pela medula
o fio lento do eterno,
esse que a hora colhe
no gosto de um outro gosto,
nas águas limpas, que, vivas,
chamam a boca à sua face.

MAX DUPAIN

São três horas e a noite insiste nua comigo.
Os copos de água já inundaram a casa
e há esse hiato tão fundo de todas as coisas.
Nada é. Nada parece real, há a cena vazia
– exceto pelos gatos que simulam emboscadas
e pelas corujas que não se cansam ou se calam.
A língua, pelos dentes, cria histórias de ciclistas
que pedalam cobertos de risos e cheiro de árvores,
de vendedores de frutas que evaporam
o perfume entre doce e salgado das cascas,
estrelas, que sendo estrelas, não envelhecem.
Há uma fotografia de Max Dupain sobre a mesa
Ali, duas pessoas estão presas pelos olhos.
Nessa outra noite, nem gatos, pontes e corujas
impediram que o sempre lhes pertencesse.
E se amassem.

***

Alberto Bresciani nasceu no Rio de Janeiro. Vive em Brasília. É autor de Incompleto movimento (José Olympio Editora, 2011), de Sem passagem para Barcelona (José Olympio Editora, 2015, finalista do prêmio APCA de Literatura – Poesia de 2015) e de Fundamentos de ventilação e apneia (Editora Patuá, 2019). Integra, entre outras, as antologias Outras ruminações (Dobra editorial, 2014), Hiperconexões (Editora Patuá, 2014), Pássaro liberto (Scortecci Editora, 2015), Pessoa – Littérature brésilienne contemporaine (Revista Pessoa, edition spéciale – Salon du Livre de Paris, 2015) e Escriptonita (Editora Patuá, 2016). Tem poemas publicados em portais, blogs e sítios da internet e em revistas e jornais impressos.

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