E a conversa dos pássaros?

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Redemption song – Bob Marley

O debate é ferrenho, chilreiam em simultâneo, talvez incomodaram-se com o frio cortante que cobre a cidade, neste demorado inverno. É Setembro.
Os corvos rompem o céu cinzento e as árvores dançam ao sabor do vento, que vai na direção norte.
Ninguém quer ouvir, todos falam, os pássaros. O seu encanto, revela-se pelo avesso. Não é poética aquela conversa. Não é polido o canto. Vizinhos, vizinhos, estamos a falar de vizinhos. Os pássaros não se entendem. Não obstante residirem na mesma árvore.
A sorte, pelo tom, é que os machados são pesados, as kalashes e outras russas, ucranianas, americanas, não têm compartimento no ninho. Os pássaros berram. O frio penetra, a neblina faz a sua performance. E os pássaros não cessam.
No cinema, invariavelmente, anunciam maus tempos. Na literatura não! Servem a lira. Não são artistas, os que ouço, de certeza. Não são os de Bob Marley. Não sabem fazer poesia. Sabem a um black coffe muito amargo. Os últimos tempos não têm sido calmos, entre os vizinhos. Os pássaros amainam os ânimos. O motor de uma motorizada, na auto estrada, rasga a monotonia sonora. Os ventos vem mais frios, o corpo geme.
As galinhas, no quintal de madeira e zinco, entre os becos estreitos do bairro Luís Cabral, entram na conversa. Outra orquestra desafinada. Por um instante os pássaros cantam, e as galinhas berram. Calam-se. Os pássaros silenciam-se, a sinfonia ruidosa da auto-estrada recupera o espaço, compõe a trilha sonora.
E eu, permaneço sem perceber a conversa dos pássaros.

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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