A FORMA COM QUE SE PODE CORTAR O OLHAR: UMA CONVERSA COM NELSON LINEU

Nelson Lineu nasceu no dia 26 de Janeiro de 1988, na cidade de Quelimane. Licenciado em Filosofia pela Universidade Eduardo Mondlane.
Lecciona na Escola Nacional de Artes Visuais. É Membro Efectivo e do Conselho de Direcção da Associação dos Escritores Moçambicanos, é Membro Fundador do Movimento Literário Kuphaluxa, onde foi Secretário-geral e Director da revista Literatas.

Nelson Lineu, uma das vozes mais interessantes da nova geração de autores moçambicanos. Poeta na escrita e no modo de estar, dono de uma escrita singular e uma imaginação apurada: exercício que entra na poesia pelas mãos da filosofia.  

Estreou com Cada um em mim há cinco anos; o seu recente livro intitulado Asas da água mantém a forma “sintética”, o que alguns chamam de “curto” — para um leitor voraz é na verdade um campo para emergir.

Hirondina Joshua: O exercício literário é sempre uma grande tentativa. Concorda?

Nelson Lineu: Assino por baixo! Considero uma tentativa porque mesmo depois de publicado, o texto continua a ferir-me. Vive em mim uma dúvida permanente se consegui, pôr no papel o que texto pediu ou exigiu. É uma luta constante, que chego a pensar que eu seria um eterno perdedor, se não existissem leitores.

HJ: “Eu sou porque tu és”. Esta conhecida expressão sobre ser e estar, pode se inserir na escrita?

NL: No meu caso, sim. Esse outro é o leitor e o meu texto é o mundo onde interagimos.

HJ: Uma questão controversa: a inspiração. Acredita ser respiração ou um mergulho em que se precise força.

NL: Manoel de Barros disse certa vez, não saber o que é inspiração. Há uma tendência de se desvalorizar a inspiração. Seguindo essa linha criei os meus próprios mecanismos para não depender de inspiração quando escrevo. Muitas vezes ela encontra-me escrevendo. Algumas vezes dou-me o luxo de quando ela aparece, e porque não quero escrever nesse dia, simplesmente ignora-la. Mas, tenho consciência do seu poder.

HJ: Já disse o crítico literário norte-americano Ezra Pound.
“Literatura é linguagem carregada de significado.” É possível literatura com linguagem sem significado; literatura com significado sem linguagem?

NL: Desde que a linguagem ou os significados não sejam estáticos, ou melhor que não se recriem ou ainda não se subvertam.

HJ: Importa-se com o que o seu livro, Asas da água, produz ou devia produzir no leitor? Ou trata-o como uma forma inacabada de sentidos e traduções?

NL: Eu prefiro que ele siga os seus próprios passos, preocupo-me pouco com a companhia. Aqui quero dizer que os leitores são livres, faço questão de não interferir. Porque mesmo eu, vou descobrindo sentidos diferentes com o passar do tempo.

HJ: Alguém disse sobre o mundo, e esqueceu de falar sobre o que era o mundo. Seria um poema a vida?

NL: Biblicamente falando, o mundo é uma criação. E o poema é igualmente uma criação. Posso dizer com toda incerteza do mundo, que é um poema.

HJ: Falta a metamorfose, quando os olhos vêem e não lêem.

NL: Falta poesia.

HJ: Qual é o teu compromisso com a escrita.

NL: É o compromisso que tenho comigo mesmo como pessoa. Foi assim que o prazer da leitura chegou a mim. Sem divagar mais, posso dizer é buscar cada vez mais a simplicidade, buscar o que nos faz seres humanos de um lado, por outro o que nos uni a outros seres. E ver na diferença uma ponte para outros voos.

Três poemas do livro “Asas da água” e os títulos do interior:

Capa do livro "asas da água" de Nelson Lineu
Capa do livro “asas da água” de Nelson Lineu

os sinais do Rio
3.
as casas na cidade
são cópias das casas no rio
aprendemos a decorá-las
com os peixes

poema folha
15.
a folha foi clara
o mistério da escrita
é escrever sabendo
a avó não lerá

a ave no canto
5.
o sal adorna as ondas
e anuncia à ave
a chegada da concha

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