FESTIVAL POETAS DʼALMA Poesia para ouvir, ver e sentir

A BANDEIRA maior era a poesia como expressão escrita e falada, mas também como uma linguagem que interpenetra nas diversas manifestações artísticas. Foi sob este signo que por três dias Maputo se fez uma cidade do mundo

No dia 25 de Julho, marcado para o início do evento, abriram caminho um rol de actividades intituladas a “caminho do festival”.

Se é verdade que a bandeira maior era a poesia, não é menos verdade que na ideia de artes performativas, também descrita na nominalização do festival, havia espaço para uma diversidade de manifestações artísticas.

Antes do início oficial, a música, que embala os espectadores antes de um grande espectáculo iniciar, houve dois concertos. O primeiro, na ideia de clave de soul, um conceito que vem sendo experimentado nos palcos do Gil Vicente desde há 15 anos, juntando artistas internacionais de diferentes estilos de música urbana às artes e letras, sobretudo a poesia performativa.

No sábado juntaram-se nomes como Ras Skunk (Moçambique), Nelson Maca, Melvin Santhana, Jô Freitas, Débora Garcia e Cleyton Mendes (Brasil), Theresa Hahl (Alemanha), Valerio Moser (Suiça), Nathalie Faucher (Ilha Reunião) e o DJ Ohpis (e-Swatini).

Na quarta-feira, um dia antes, com quase todos os artistas confirmados na cidade de Maputo, a capital cultural do mundo, juntaram-se novamente os mesmos artistas sob o signo soul acústico.

Edna Jaime

Arte a unir o mundo

ESTA primeira edição do Festival Poetas d’Alma marca uma nova etapa na já tradicional cultura de festivais que a urbe tem, ajudando a cimentar a dimensão cosmopolita da cidade de Maputo, que se torna cada vez mais presente no mapa-mundo do turismo cultural.

O Festival de Poesia e Artes Performativas foi ouro sobre o azul, em Moçambique que é – e com muito mérito – conhecido como um país de poetas. Uma fama que chegou ao mundo pela palavra escrita, mas que tem uma grande base na tradição oral. E fazendo um festival em que a poesia, a arte, mais do que escrita, é falada, é sentida, é vivida, é como se regressássemos às raízes onde tudo começou.

Ainda os raios de sol se impunham, a noite demorava chegar, quando as portas do Centro Cultural Moçambicano-Alemão (CCMA), com elas a do festival, foram abertas.

O embaixador da Alemanha, Detlev Wolter, que deu as boas vindas ao evento, fez notar que são as parcerias entre o sector público e as instituições privadas que ajudam a fazer as cidades. “Juntos vamos construir a Maputo Cultural que queremos”, anunciou.

Detlev fez notar que num momento em que o mundo vive um período conturbado, com as fronteiras psicológicas e políticas a separarem uns e outros mais do que as físicas, as artes e os artistas tomam a dianteira e mostram a beleza do arco-íris, da diversidade, do intercâmbio cultural que, disse, marcaria a vida de quem se fez presente.

As línguas continuarão a unir o mundo, mesmo na sua diferença e diversidade. O mundo precisa de dialogar entre si, as pessoas precisam de se encontrar e nada melhor que um festival que tem na diversidade linguística o seu forte para achar respostas sobre o futuro da língua. Assim se interpretam as palavras do poeta e ensaísta Calane da Silva, a quem coube o prestígio de dirigir as palavras inaugurais do primeiro Festival Internacional de Poesia e Artes Performativas (Poetas d’Alma).

Se se pensar na palavra poesia durante os três dias em que decorreu o Festival Poetas d’Alma, a rima e o verso foram ouvidos e sentidos em várias línguas, num evento em que estão aclamados homens e mulheres de “spoken word” de África até às américas. De Moçambique, Luís Cezerilo e Deusa de África subiram ao palco para lançar o seu perfume poético.

Em português, ouviu-se, viu-se, sentiu-se a poesia de Angola, com Elisângela Rita, sendo o Brasil uma das maiores delegações presentes, com cerca de cinco artistas, entre poetas e músicos. Cleyton Mendes, Melvin Santana, Jô Freitas, Dêbora Garcia e Nelson Maca são os destaques.

Em inglês e noutras línguas, como zulu e alemão, ouviu-se também poesia. Da Alemanha e Suíça vieram Theresa Hahl e Valerio Moser, respectivamente. Sendo que a região da SADC dominou os países falantes de língua inglesa.

Vangile Gantsho, Khanyih Shusha, Sarah Godsell, Busisiwe Mahlangu, Danai Mupotsa são alguns nomes da poesia e “spoken word” da África do Sul, sendo que de e-Swatini a performance foi ao ritmo da música, com DJ Ophis e Bolodja, que já esteve em palco no evento de abertura. Contudo, artistas da Argentina, Itália, Ilha Reunião, Quénia e Camarões participaram no Festival Poetas d’Alma.

Em Maputo ainda esteve presente Cristiane Sobral, actriz brasileira, com a sua peça “Esperando Zumbi”. O espectáculo, também da escritora, retrata a espera como uma forma de resistência a partir da discussão sobre a mulher, os negros, a colonização, que travou a evolução da pessoa negra.

Cristiane Sobral, antes do espectáculo é a vida, uma mulher que resiste pela arte. Pode até soar panfletário para uma realidade como a nossa, a moçambicana, que o racismo – porque se existe, é velado – não nos tira da zona de conforto, em que podemos ter heróis negros sem que isso pareça, forçosamente, busca de representatividade. Mas no Brasil é ainda mais pertinente hoje colocar-se o dedo na ferida.

Outras línguas, outras margens

Muzila

MAFALALA sempre se impôs no mapa do turismo comunitário. Com a diversidade que a zona oferece, ir ao bairro é encontrar os vários Moçambiques que lhe residem dentro dele.

Os artistas internacionais que estiveram presente no festival fizeram-se ao bairro como forma de ter em metros quadrados a dimensão cultural que cada região do país sugere.

O Museu da Mafalala, depois da recente inauguração, tornou-se num destino incontornável. Afinal, também a partir dele, imerge-se na história do bairro e, a partir dele, com a Associação Iverca como cicerone, chega-se a experiência real com quem reside e faz o bairro.

Exposição revela percurso

FALANDO em passeios, quem visitou a exposição “Revelação” conheceu os caminho trilhados para a materialização do festival, que tem a sua génese no programa “Noites de Poesia”, criado há 15 anos por um grupo de jovens (União Nacional de Escritores).

Patente no Centro Cultural Moçambicano-Alemão, a mostra inaugurada na abertura do festival traz fotografias a preto-e-branco, poemas emoldurados, gravações e artefactos que  refletem os momentos marcantes da iniciativa criada em 2004.

A exposição faz a síntese do percurso da iniciativa que trouxe à ribalta cultores das artes e letras. Sara Carneiro, a curadora da mostra, fez uma analogia entre o processo analógico de revelação de uma foto com o efeito de revelar novas vozes da poesia nacional, que a iniciativa teve.

O evento, na terceira sexta-feira do mês,  fez o movimento unir almas apaixonadas pelas artes vindos de bairros pobres e nobres de Maputo. A iniciativa ganhou magnitude, quebrou as fronteiras nacionais e fez-se conhecer ao globo. Não só de estrofes e versos vive a “Noite de Poesia”, mas outras manifestações culturais, como a música, cinema e dança marcam presença.

Exposição

“Não é tarefa fácil conceber a exposição. Recolhi muito material fotográfico, poemas, gravações, entre outros. Fiz a selecção dos conteúdos expostos com base na estética, o que é belo e conta a história da iniciativa”, disse.

Sara Carneiro teve ajuda do Centro de Formação Fotográfica (CFF), que lhe cedeu materiais usados para a revelação de fotos analógicas. As fotografias de Verner Butecam deram um toque singular à mostra.

“As imagens a preto-e-branco solidificaram o nosso conceito e tornaram a mostra em algo uno”, realçou.

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