Uma fotografia de Bagamoio

The birds flying high…Não é a Nina! É a rua de Bagamoio a compor os seus versos ao som dos pássaros que rasgam o céu cinzento de fim de tarde de verão.

Os vidros das janelas dos edifícios de época, nas margens, servem de espelho onde a mulher se maquia para esperar pelos fiapos de luz deitados no chão. Ela apenas aguarda alguns minutos para libertar a Felismina craveirinhesca, a primeira. São 18:26. Outras vão desfilando na rua que as emprega. Vão em contramão das viaturas. Acendem cigarros. Arrancam, abrem como os dentes, garrafas de cerveja de alguns homens. O Rangeirista perdeu esta fotografia.

Ela, com aqueles contornos não custa acreditar que o Sérgio Muiambo realmente conheceu aquela moça cuja beleza se parecia com a de um país. Desvios dignos de tropeços.

Escasseavam panos para cobrir aquele corpo. Pudera, vestir por baixo daquele calor é insano, a humidade dos 35 graus, de Janeiro, a pele precisa respirar, senão não inspirava os diálogos da pensão.

A contar 23 outubros, vive em Maputo há cinco anos. Veio a convite do pai do filho de 4 anitos. O tipo a abandonou sem sequer um tostão para regressar a Tete.

Ela serviu ao senhorio para não ser expulsa. O senhor Caim mora na casa ao lado com a família e a esposa sempre a cumprimentou com ternura. Muitas vezes desviou arroz quando não eram tigelas e terinas de refeições prontas a saciar a fome.

O proprietário da creche que o filho frequenta, sempre a recebeu com versos reles, desprovidos de poesia. Aquela boca só defecava a cada palavra dita. Dá por ela – com um sorriso envergonhado, observa o cliente e pergunta: porque estou a contar-te isto? – já tinha caído a máscara que enverga no baile de fantasias.

“Os olhos de gueixa” reproduziu, sem que ele se apercebesse, tocou no ecrã do telemóvel e Caetano Veloso emprestou a sua voz. Encara-o como quem, ao amanhecer fechará os olhos com a convicção da Simone, de ter feito o que devia, com um feeling good.

Conta que vive dias de alívio por ter adoptado uma boa menina para cuidar do pequeno, quando ela vai trabalhar. O relato iguala a menor celebrada no Storyteller, de Jaco Maria.

Frequenta a igreja, mas ao sábado. No domingo não se reza naquela cenagoga que é a sombra da mangueira do quintal do pastor. Na segunda-feira, pontualmente, as sete horas ele está no posto de trabalho.

Esgotada obediência as instruções do Kamassutra, leve, com as pernas trêmulas, ar cansado, o cliente desce as escadas, apoia-se a parede, no arco da porta despeja aquela mão que segurava à direita. Respira fundo, recupera o fôlego, vence o passeio, ergue a cabeça, caminha, ignora a dispersão dos desgraçados abandonados ao azar, de que são entiados. Pára, se aborrece, repara para o Anjo Voador e não vê nada divino naquele lugar, está escuro e não há chapas. No regresso ao “Bagamoio”, lhe sorri, no alto a cobertura da estação Central dos Caminhos de Ferro de Moçambique, visível graças às luzes brancas.

Apoia as mãos na cintura. Observa corpos cansados na correria para a luta por uma viagem sentada, no chapa.

Tendo dado o sangue a metrópole, não se permite entrar naquele recinto onde não descarta a possibilidade de o arquediabo Belfagor, escrito de Maquiavel, ter recebido as instruções dos Juízes mais justos do mundo, liderados por Lúcifer, sobre a missão em Florença. O relógio marca 20:40.

A rua de Bagamoio esfrega os seus abundantes recursos nos olhos de qualquer transeunte. Silhuetas bamboleiam ao ritmo de passos perfomáticos. Existem pernas, algumas com estrias e fazem a coreografia da outrora rua Araújo.

Ele entra Gipsy, exita álcool. Uma piada cara faz-lhe sorrir, é John Walker gritando na prateleira: keep walking.

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