“The Silence”: uma verdadeira “ode” às línguas de sinais

Por Elcídio Bila

A primeira coisa que eu questionei ao Takdir – amigo que sempre me convida a passear pelo universo da sétima arte –, quando o filme iniciou, foi como um filme pode se chamar O Silêncio. “Será que não haverá som?” – chutei-lho. Não sei se esperava necessariamente uma resposta ou apenas “quebrava o gelo” pelo facto de nós dois estarmos no seu quarto, na sua cama e à noite… a ver um filme.

Não sei se o meu “actualizador de novidades” cinematográficas chegou a responder de facto. Ele até retorquiu algumas palavras mas, penso eu, foi para não me fazer a desfeita de me deixar falar com as paredes. Afinal, ainda que já tenha visto algumas passagens (não o trailer necessariamente) também desconhecia a trajectória da ficção.
Foi entre bruscos comentários e sustos que viajei em torno de “The Silence”, durante uma hora e meia. Takdir, algumas vezes, gozava com a minha sensibilidade aos filmes de terror: “vais apanhar um enfarte”. Eu, metido a quem responde tudo, disse que não tinha graça nenhuma ver um filme daquela natureza sem aquelas crises de medo e choque.

Na verdade eu não gosto de filmes de terror. Muitos que vi ignoravam a boa trama – a estória – tudo porque queriam assustar. Um filme não é por ser de terror que só se deve preocupar em agredir os telespectadores, mas deve investir (também) no enredo.
“The Silence”, curiosamente, carrega essa característica fascinante: é um filme assustador mas ao mesmo tempo apaixonante; tira-te da tela e coloca-te nela no mesmo instante. O meu amigo, exímio amante de terror, disse ser aquele um mau filme pois não mostra com detalhes os personagens a serem devorados pelas vespas, ou seja, o corpo a ser triturado e sangue chovendo. Eu disse para ele (e até agora concordo comigo): “não precisava mostrar o que estava implícito, cabia a nós imaginar como aquela pessoa minguou nos bicos selvagens”.

Eis a história:
O filme retrata uma família inglesa (embora seja um filme alemão) que, a par de outras, foge da cidade para se esconder de uma praga de vespas gigantes que matava as pessoas bastassem que emitissem um som, ainda que subtil. Nessa família que toma conta do enredo existia uma menina (Kiernan Shipka, na pele de Ally Andrews) que era muda, o que a prior foi preponderante para a família escapar ilesa dos animais – ainda que a avó tenha morrido bicotada pelos monstros. Afinal, o pai (Stanley Tucci, que interpreta Hugh Andrews), a mãe (Miranda Otto, a Kelly Andrews), o irmão (Kyle Harrison, na voz de Jude Andrews) e a avó (Kate Trotter, como Lynn) já sabiam comunicar-se com ela, e não provocar barulho – usando apenas a língua de sinais – era fácil.
Na verdade é aqui onde desagua a minha análise, dispensando aspectos técnicos, estéticos (ou outros) do filme. Aliás, os dois guionistas – Carey Vany Dyke e Shane Vany Dake – conseguiram, muito bem, dramatizar na tela o romance do escritor inglês Tim Lobbon ao colocar a protagonista, no início da trama, vítima de chacota na escola por ter deficiência auditiva e torná-la herói no fim. Ou seja, a família Andrews só conseguiu escapar graças aos outros sentidos apurados da menina. Ela conseguia ver e sentir para além dos outros e tinha evoluído o sexto sentido: a intuição. Conseguia compreender e prever uma série de factores que fez com que a sua família resistisse ao mistério. Ela, por exemplo, foi quem decidiu que a família devia distanciar-se da cidade pois é onde há mais barulho e percebeu que as vespas só conseguiam atacar exactamente no ponto sonoro e que não resistiam à neve.

Perante aquelas monstruosidades, Ally era “um ouro” e todos viam-na como solução para resistir a praga. Por isso, a família foi atacada por alguns nativos de uma aldeia onde os Andrews se esconderam, ao perceberem que a menina seria solução para a sobrevivência deles, pois iriam se comunicar através das línguas de sinais.

Torna-se, por esse factor, um dos filmes mais bem conseguidos pelo realizador John R. Leonettii.
O cinema de sinais ainda é um desafio no mundo e a Netflix está de parabéns por incluir pessoas com deficiência auditiva nas suas produções e, sobretudo, por lhes dar o papel principal.

O fim podia até ser melhor, mais entusiasmante. A protagonista reencontra-se com o único amigo da escola, com talento para namorado, e juntos, já num abrigo oficial, fazem uma verdadeira caça às vespas com arcos e flechas. Bom, pareceu-me um cliché, já uma falta de ideia do realizador ou a necessidade de ter exactamente noventa minutos. No entanto, como disse, não estou muito preocupado com o enredo, alegra-me que a sétima arte permita que a língua de sinais seja, também, um meio de comunicação. E por milagroso factor, acredito que este filme lançado em Maio deste ano, mereça uma estatueta nos Óscares 2020. Ou, para o bem da inclusão, que se inaugure a categoria do Filme Mais Inclusivo de Hollywood.

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