O cão que sussurra

Vavito, o meu segundo cão, lati baixo. Não ladra quando está com medo, apenas se encolhe, esconde a cauda entre as patas, se agacha e se mistura com o chão.

Tem pulgas ele. Não! São caraças. Não sei e nem me dei tempo de investigar. É complicado estar a examinar cães pulguentos. Sou cronista por vocação, gosto de plantas, até já tive um jardim em casa, mas não tenho paciência para estar a analisar o corpo deste animal.

Vavito às vezes aparece silencioso, encosta-se a mim, enrosca-se nos meus sapatos, afasto-lhe de forma educada. Eu trato os animais de forma gentil, porque tenho a consciência que também sou um animal, mas mais racional.

Os cães também são racionais. NB: os cientistas ainda não conseguiram provar.

Ontem, chutaram o cão. Chutaram o meu cão. Foi alguém próximo. Pensei em reagir, mas pausei, deixei a música da raiva tocar num volume baixo, me segurei para não colocar um stop agressivo e minar a relação com o meu amigo.

Vavito rebolou, latiu como quem sussurra. Estava com raiva, ali era o momento certo para reagir. Na verdade, fiquei em silêncio na expectativa de que o cão reagisse, cometesse uma loucura para que eu, como o seu legítimo dono, aparecesse e pedisse desculpas. Mas não, o cão não reagiu, sussurrou, queixou-se, pausou como eu e foi ao encontro do meu amigo. Aliás, meu ex-amigo, não tenho amizade com pessoas que maltratam animais. Pior, os meus animais.

A cena repetiu-se, a brincadeira era chutar o cão, a espera que ele rebolasse e depois voltasse para ser, outra vez, chutado.

Farto, saí da zona silenciosa. Pedi para que o meu amigo comprasse uma coleira, pois, a partir daquele momento, aquele cão era dele.

– Otto, já não queres este cão?

– Não. Não gosto de sussurrar. Quero latir para o mundo.

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