Autodefesa Ou últimas considerações do ano

Por Venâncio Calisto
Hoje é dia 29 de Dezembro. “Nada a fazer” como diria Samuel Beckett. O ano foi como foi, e não adianta esperar pelo “último momento”. Não há mais milagres, os profetas de água e azeite que o confirmem: Godot não virá, o que não fiz não se fará, eis a verdade inalterável.

Diz-se no jargão popular que ao passado não se passa borracha, é indelével a nossa acção, talvez a vida seja o somatório de pegadas que deixamos no tempo. Por isso há que se ser responsável em cada passo que se dá. Sartre alerta: a acção ou escolha de cada um representa toda humanidade e os homens que têm consciência desta sina estão condenados a profunda angústia.
Ex.: Há uma nuvem negra sobre a minha cabeça e não pára de inchar. Relampeja a todo instante e tenho absoluta certeza que o clarão que a racha é de mim que se ri. O trovejar é gozo, sei-o porque não é preciso ter a imaginação do meu prof. e amigo, António Cabrita, para saber que Deus se diverte com o nossos medos… a propósito da nuvem, relâmpago, trovoada, enfim, chuva. Em Maputo quando chove a vida fica em pause, os serviços são paralisados, os encontros adiados, o único palco que resiste a escassez do público é a cama. Profunda angústia…
O belo não está no excesso, mas na falta. Lembra-me sempre o meu prof. Victor e esmera-se no seu exercício de me tirar do casulo, faz dupla com o meu mestre Eldorado Dabula, por isso, falemos agora do vazio, o ingrediente indispensável para que haja arte, quer dizer, vida. As ausências, os desencontros…dois dias separam-nos do ano novo e os desapontamentos – por ter ficado uma data de coisas por fazer – torturam-me a consciência. Mas tem de ser, a incompletude é também plenitude.
Este ano representa uma vida inteira para mim pelos infortúnios e glórias que tive, “um ano de extremos” como diria meu bom amigo Dany Wambire – que lhe devo uma crónica sobre os cães suspensos na madrugada de Macurungo. Foi o ano em que me tornei definitivamente órfão. Meu pai (de registo e de vida), Calisto Guilherme, foi juntar-se à Roda, minha mãe, falecida há 15 anos. O velho calou-se para sempre, tão abrupto como só a morte o sabe ser. Ficou o peso do vazio, uma morte por esclarecer e os putos por velar.
Mas porque a vida é um jogo de contrastes foi também este ano que me licenciei em Teatro e para defesa fiz – com ajuda da Rita Couto e Lucrécia Paco – “(Des)mascardos”, uma inesquecível peça sobre o diálogo entre a tradição e modernidade que chegou ao Brasil através duma leitura encenada durante o festival Yesu Luso. A convite de Victor Gonçalves encenei Mwango e Mwanga, uma adaptação de Bastien and Bastienne de W.A. Mozart, a maior produção teatral do ano feita em Moçambique.

Ganhei o primeiro lugar do concurso de Poesia sobre a ponte Maputo-Katembe organizado pelo Centro Cultural Moçambicano Alemão (CCMA). Fui distinguido com o prémio de Artes e Cultura da Mozal em parceira com a Kulungwana na categoria de Teatro. Não sei o que isso quer dizer, só espero que não seja mais um equívoco deste país de equívocos, não é Belmiro Adamugy? (risos) Mas sei que talvez seja uma resposta às propostas e alternativas que a minha geração, falo dos meus colegas e companheiros de estrada, tem dado ao teatro moçambicano. É inegável que de uns anos a esta parte, a juventude, da qual faço parte, tem imprimido mais qualidade e dinâmica a cena teatral e dando certeza de um futuro, em que o teatro passa ocupar o seu devido lugar na sociedade para melhor exercer as suas funções de humanizar, divertir e fazer pensar.
Todas realizações e conquistas alcançadas este ano são resultados de uma vida de trabalho, estudo e muita persistência, coisas que tenho aprendido com grandes homens que têm cruzado o meu caminho. Duvido que haja palavra que traduza o peso da gratidão, mas porque a existência humana exige que acreditemos em alguma coisa, deposito toda gratidão por tudo que vocês sempre fizeram por mim nesta palavra “obrigado”.
NB: Este texto serve de minha autodefesa contra os ditos e não ditos, as más interpretações e é também meu pedido de desculpas para todos que os ofendi durante o ano. Feliz ano novo.
Venâncio Calisto – 29 de Dezembro de 2018

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