O abandono do discurso de vitimização

A CIDADE de Maputo testemunha nos últimos anos uma efervescência artitíca que há anos parecia uma miragem. O argumento da paisagem desértica era muitas vezes sustentado com a falta de apoio de “quem de direito” – persona cuja decifração ia dependendo da subjectividade de quem ouvisse.

Se, por um lado, havia quem interpretasse o “quem de direito” como sendo o empresariado, outros havia que o personificavam nas instituições estatais ligadas à gestão cultural.

Ao que parece, felizmente, esse tempo ficou para trás no momento em que esta classe tomou consciência de que era necessário arregaçar as mangas e trabalhar, de modo a alcançar o estado de coisas que pretende.

Por exemplo, a última quinta-feira foi marcada pelo lançamento do livro de Carlos Paradona, na sede do BCI, baixa da cidade, enquanto no Centro Cultural Franco-Moçambicano inaugurava-se a exposição de Hugo Mendes, igualmente na baixa.

Nesse mesmo instante, noutro extremo da capital, Eduardo White era reflectido no Camões – Centro Cultural Português, pela Academia Virtual de Poetas da Língua Portuguesa e, nas proximidades, no Hotel Cardoso, a artista plástica Ruby inaugurava a sua exposição de artes plásticas.

Voltando à baixa, o Uptown recebia a intérprete Bennie Chaide para uma noite de música no seu habitual “Jazz à Hora da Ponta”. Tudo isso na mesma cidade, no mesmo dia e à mesma hora. E repare-se: todos tiveram público, uns menos que os outros, o que é natural, pois, em verdade diga-se, os habituais frequentadores dos parcos eventos de outrora distribuíram-se – os critérios para a selecção deste evento em detrimento daquele são outra conversa.

Este cenário é uma mostra de que os artistas, gestores culturais estão a abandonar o discurso de vitimização que os acomodava na inércia, colocando a culpa num outro, que jamais chegou a ser identificado, o que facilmente conduzia à possibilidade de ser ninguém.

O discurso de vitimização apenas vitimava os próprios queixosos e os deixava cada vez mais para trás do progresso que outras áreas iam assistindo. É preciso reparar que eventos os que apontámos como exemplos sempre foram percebidos como os mais castigados no que à ausência de apoio e público diz respeito.

Obviamente, à medida que caminhamos e vamos ultrapassando determinados estágios, outros horizontes começam a mostrar-se, e o desafio agora é levar esta efervescência para os bairros e para o município da Matola, de modo a incluir todos, sob o risco de marginalizar-se uma larga franja de citadinos, atendendo e considerando que a maioria dos residentes destas cidades gémeas está na periferia e nas zonas de expansão.

Este “boom”, é preciso reconhecer, deve-se, sobremaneira, às várias actividades, entre elas de formação, desenvolvidas pelos centros culturais que as chancelarias acreditadas no país vão desenvolvendo desde que cá se implantaram.

Entre elas destacam-se o Centro Cultural Franco-Moçambicano, Centro Cultural Brasil-Moçambique, o Camões – Centro Cultural Português, o extinto Instituto Cultural Alemão, substituído, embora sobre outra roupagem e abordagem, mais recentemente, pelo Centro Cultural Moçambicano-Alemão.

A essas entidades juntam-se associações juvenis como a Iverca, o Movimento Literário Kuphaluxa, a já moribunda Arrebenta Xitocozelo, nos últimos anos a Fundação Fernando Leite Couto, entre outas que decidiram fazer acontecer o que, a seu ver, seria o ideal culturalmente.

Não se pode, sob o risco de se cometerem injustiças, excluir os festivais Azgo, Internacional de Teatro de Inverno, More Jazz Series e diversas outras iniciativas do género, que aumentaram a sede e inspiraram a vontade de ir atrás das coisas.

Este cenário demonstra a elevação da consciência em relação à pertinência das artes na sociedade, na medida em que é nelas que a mesma se reflecte e, diga-se, descansa os seus cansaços da mecanicidade que é o quotidiano.

Voltando aos desafios que o desenvolvimento traz consigo, infelizmente, pouco desta efervescência se vê nas províncias que, ao que parece, ainda estão relativamente paradas neste quesito. Aliás, o nosso matutino é disso testemunha se se for olhar para as publicações referentes ao que de lá vem.

A nossa expectativa é que este cenário contagie todo o país à mesma velocidade que as águas das chuvas inundam a baixa da capital do país.

lEONEL2

Acredito que pequenos gestos podem mudar o mundo. Encontrei no Jornalismo a possibilidade de reproduzir histórias inspiradoras. Passei pela rádio, prestei assessoria de imprensa a artistas e iniciativas. Colaborei em diversas página culturais do país. Actualmente sou repórter do jornal Notícias. A escrita é a minha arma”.

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