Quando o ontem é um bom presente

FUMANDO os ares de um 4 de Outubro que somente me dão cabo do pulmão, me veio à mente aquela eterna frase, escrita em letras garrafais, nos maços de cigarro, porém ignorada: “FUMAR PREJUDICA A SAÚDE”. Mas que remédio? Parece que há muita gente ignorando a existência alheia.

Então, enquanto procurava papel para sacudir o ar, vasculhei algumas páginas gastas na minha memória, e casualmente, para minha sorte, deparei-me com as celebrações de um dia da paz. Na televisão, nos jornais, passeavam rostos sorridentes de orgulho pela conquista.

Nessa altura, nós que somos mais preocupados com o que se diz e se pensa a nosso respeito para lá do oceano, nos lisonjeávamos com a categoria de país exemplar. Que orgulho!

Nesses dias da paz, que encontrei nas páginas da minha memória, a mamã assava frango e, as vezes, comprava cerveja, enquanto o rádio soprava Ziqo da Silva Maboazuda. Era festa. Até esquecíamos as nhanganas diárias e a luta desenfreada para apanhar o chapa que nos levava à escola todos os dias.

Lembro inclusive que nessas escolas nos sentávamos no chão, não havia carteiras. Os vidros das janelas estavam partidos e os quadros quase pretos – a tinta ia se dando nas “tintas” de tanto usada sem actualização. Embora eu sentisse dores, o argumento de que aquilo era resultado da guerra que tinha passado, me anestesiava. Nem mesmo me chateava, quando toda a turma dava seu lanche ao professor, para que nos permitisse sair mais cedo, porque assim sobrava mais tempo para brincarmos no pátio.

Ah, que saudades! Entretanto, temo partilhar estas nostalgias, a alcunha de saudosista envelhece a qualquer um na minha idade. Se bem que estou certo de não tratar-se de uma saudade ancorada na ideia de que os melhores são os que já se foram (todo morto era boa pessoa), também não é por pensar que os melhores músicos são os de ontem – o Moreira Chonguiça, Albino Mbié, Ildo Nadja, Assa Matusse…estão ai a desmentir isso, todos os dias na rádio. Nesta órbita nem teria percebido que Messi é, para mim, o melhor de sempre.

Enfim, para fintar a nostalgia, prefiro concordar com o que dizem por ai: “amanhã será melhor”. Crente que sou, só espero, sem saudosismo, que ontem seja o meu presente para o futuro. Não que sinta saudades do Ziqo, mas do frango assado da velha, ah, esse sim.

(Escrito em 2016)
lEONEL2

Acredito que pequenos gestos podem mudar o mundo. Encontrei no Jornalismo a possibilidade de reproduzir histórias inspiradoras. Passei pela rádio, prestei assessoria de imprensa a artistas e iniciativas. Colaborei em diversas página culturais do país. Actualmente sou repórter do jornal Notícias. A escrita é a minha arma”.

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