Um nobel ao menino de Gaza

O CASAL Adão e Eva foi expulso do paraíso porque não resistiu à tentação de provar a fruta proibida. Há que frisar: o não seduziu-os ao sim. Lembrei-me destes escritos porque há meses, saboreando a feijoada brasileira da Otília, no Akino Café, com o Ivan Laranjeira e dois confrades, da terra do Alberto Santos Dumont, soubemos de uma atitude digna de Nobel.

Insólito: um dos convivas, antropólogo, ex-jornalista (sensato), contou que estava no país para apoiar uma ONG que se dedica à educação. Foi trabalhar no interior de Gaza, Chókwé, provavelmente, onde, numa escola soube que, um aluno tinha sido curioso.

Como assim?

– O rapaz explodiu o painel solar. Houve um corte de energia na escola, o menino, na oitava classe, depois da aula de física foi lá unir os fios para repor. Errou. Ligou o verde ao vermelho e aquilo resultou num curto circuito.

– O director, com ar satisfeito e orgulhoso, quis nos tranquilizar, revelando que o menino, em punição, tinha sido expulso da escola. O meu conviva disse ter ficado estarrecido e aconselhou o senhor a rever a decisão.

– Semanas depois, quando para lá voltei, perguntei como tinha terminado o caso e, mais uma vez, satisfeito e orgulhoso, o director, com uma pitada de alívio, disse que o convidou a voltar a escola com uma condição. Qual? – perguntou o confrade – Chamei os pais e disse que eles teriam que pagar pelos danos – respondeu o dirigente.

O antropólogo fez outra pergunta: eles têm dinheiro para pagar? Não – respondeu o professor, sem rodeios. Mas, se sabe que eles não vão pagar, porquê essa pena?

Antes que ele terminasse a história, veio-me a memória a história de um sueco, residente de São Petersburgo, que acabou mudando de cidade depois de ter morto um dos irmãos durante um de seus experimentos inventivos com o objectivo de gerar nitroglicerina como explosivo. Daí, aliás, surgiu a dinamite.

Esse indivíduo era baptizado com o nome de Alfred Nobel, que no final da vida, milionário, solicitou a sua família que, anualmente, cedesse parte da sua fortuna para um ser humano que tenha feito algo de genial para humanidade. Assim nascia o Nobel, que vinha distinguir indivíduos impares.

A despropósito, este ano por causa da fruta proibida, não haverá Nobel de Literatura. A serpente não foi eficaz, até porque a proposta foi de um homem, fosse tal qual a bíblia talvez o fim fosse outro. Ela denunciou: assédio sexual.

Mas esse é outro assunto, que não fez parte da mesa no Akino. Até porque a literatura depois da feijoada trouxe-nos momentos tenebrosos, vergonhosos, para ser mais concreto. É que nenhum prosador inédito dignou-se a depositar um texto minimamente aceitável a concorrer para o Prémio Fernando Leite Couto deste ano.

Voltando o leme ao destino da navegação. Recordei-me de Rubem Alves ter explicado numa entrevista que ostra feliz não faz pérola. Para fazer pérola a ostra tem que sofrer com um grão de areia no seu interior. Tem que estar triste. É a natureza a mostrar que, de facto, tem que se passar pelas abelhas para chegar-se ao mel. Ou seja, há fatalidades necessárias, conscientemente ou não. Tanto faz!

O alcance da beleza é obra que passa por muita coisa feia no percurso. Antes de chegar à Terra Prometida, o povo conduzido por Moisés passou por muitas provações e cometeu muitos erros. Certeiro foi Paul Valéry ao esclarecer que o gosto é feito de mil desgostos. E explodir em experimentos há-de, de certeza ser um desses desgostos.

Na ausência de laboratórios para atestar as teorias que aprendemos em cadeiras como química, física, matemática, biologia e desenho – eu não tive – acabamos saindo apenas imaginando como é que muitas coisas (supostamente) funcionam.

Este menino, vociferava uma voz no meu interior, é um herói, corajoso que apenas pretendia resolver o problema da falta de energia na sua escola, a partir dos ensinamentos que acabara de ter na sala de aulas. Ele é ímpar, por isso merece o Nobel deste ano.

Estou certo que o quórum que reuniu-se para a feijoada da Otília estaria de acordo. A cerimónia de entrega poderia ser ali mesmo e convidaríamos o Chico António para a música do baile, tendo Ouri Pota como MC.

A legitimação seria dada na manhã seguinte com uma publicação no matutino “Notícias”, na qual Severino Ngoenha, diria “é de alunos como este que o país precisa”.

lEONEL2

Acredito que pequenos gestos podem mudar o mundo. Encontrei no Jornalismo a possibilidade de reproduzir histórias inspiradoras. Passei pela rádio, prestei assessoria de imprensa a artistas e iniciativas. Colaborei em diversas página culturais do país. Actualmente sou repórter do jornal Notícias. A escrita é a minha arma”.

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