Uma promessa que se chama Albino Mbie

Ao ouvir uma música que me comove por sua beleza, eu me reencontro com a mesma beleza que estava adormecida dentro de mim.

– Rubem Alves

O guitarrista, compositor e intérprete moçambicano, Albino Mbie, é, sem dúdiva, um dos novos valores da música moçambicana na diáspora, que promete. Até este momento é uma festa de matrimónio entre a cena do jazz tradicional com o afro-jazz. O casal, inclusive, adoptou elementos de sonoridades tipicas nacionais. “Mafu, seu segundo álbum, depois do indescrítivel “Mozambican Dance”, é disso a prova.

Tomo a atenção de assumir que escrever sobre música é a tradução da relação que, individualmente, o escriba tem com a mesma. É, digamos, o retrato pessoal da experiência musical tida com essas composições.

Na sua estreia Mbie surpreende com uma proposta invulgar, que, de alguma forma, nos recorda trabalhos de um Lionel Loecke, no que diz respeito à apropriação de material sonoro, entre outros condimentos, de base, essencialmente, tradicional para composições cujo vocabulário é do jazz ocidental.

No geral, “Mozambican dance”, é um álbum que, embora Kant, a discutir a estética não concordaria[i] com esta via de análise, imana sentimentos de pesar. É uma música que dói. E muito.

Entretanto, por outro lado, o filósofo não teria hipótese, pois Mbie nos leva para um lugar de reflexão sobre a condição do africano, as circustâncias penosas a que estamos submetidos. Temas como “Awusiwana” e “Mama Africa” atestam essa preocupação.

Assumindo que a língua é, de certa forma, a residência de uma cultura, a medida em que acomoda os seus signos e o modo de ver o mundo do grupo social que a pratica, a partir das significações que as suas palavras reflectem, “Mafu nos diz a cultura deste jovem.

Como que a nos convidar para esse questionamento sobre as origens, o primeiro título do álbum, “Where you come from”, no qual empresta a voz, suportada por saxofones alto e tenor, percursão, timbila, baixo, piano, trombone, bateria e a sua guitarra para nos recordar que temos que contar a nossa história, ensinar a nossa tradição aos mais novos. Isso é que é a nossa identidade.

O seu discurso prossegue regado de esperança em “Faith in you”, terceira faixa, na qual declara aos seus irmãos que os dias de “pain” vão passar, desde que, claro, se levantem para, como diriam os brasileiros, “colocar a mão na massa”.

A trabalhar essencialmente com a percursão, feita por Marco Echeverria, numa aposta minimalista que ainda busca os teclados de Kayu Music e Jiri Nedoma, Mbie exibe a sua relação de dominação com a guitarra, para além da voz, na faixa “Munghana Wanga”. Há mais, obviamente.

Nesta faixa voltamos a ter o prolongamento peculiar da sua letra e colocação vocal com a guitarra que se destacou no “Mozambican Dance”.

Há uma consistência nas frases da guitarra do Mbie que conduzem para outra margem da própria letra. E nesse ponto nos recorda, como referiu David Bamo, que ele é herdeiro de referências como Fany Mpfumo, Kid Munhamane (Alexandre Langa), Alexandre Jafete, Muthanda Feliciano Ngome, Benny Massinga. E, claro, Jimmy Dludlu.

Desta feita, o jovem nos reitera que se na literatura, a poesia é a nossa bandeira, na música, a guitarra, é o instrumento que melhor se posiciona, tendo-nos dado muitos filhos, de que, nos podemos orgulhar.

Sem deixar de ser um exercício meramente especulativo tirar ilações de um segundo disco, a medida em que ainda não conhecemos a sua obra a ponto de lhe definir traços, pode-se afirmar que “Mafu” indica outras possibilidades que o artista busca explorar, pois se distancia, em termos de composição, não das letras, do seu primeiro registo.

Um dos maiores encantos do anterior é a sua aura espiritual, de uma inovação peculiar que, entretanto este segundo não tem. É uma perda.   

[i] JUSTI, Vicente de Paulo. Os conceitos kantianos e a música UNICAMP. (s/d). É um artigo que discute a possibilidade da inclusão do pensamento de Kant sobre a estetica na teoria musical, recorrendo aos apontamentos do filosófo na Crítica da Razão Pura e Crítica a Faculdade de Juízo.

lEONEL2

Acredito que pequenos gestos podem mudar o mundo. Encontrei no Jornalismo a possibilidade de reproduzir histórias inspiradoras. Passei pela rádio, prestei assessoria de imprensa a artistas e iniciativas. Colaborei em diversas página culturais do país. Actualmente sou repórter do jornal Notícias. A escrita é a minha arma”.

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