Fiel dos Santos e a visão surreal do campo e cidade

ENTRE o rural e o urbano há gente guiada pelos seus sonhos e perturbada pelas suas frustações ante o caos que é a realidade da vida. Fiel dos Santos, artista plástico, os retratou em fragmentos do seu surrealismo estampado num conjunto de obras que configuram a sua exposição de pintura, denominada “Encontros Sonâmbulos” e patente, no Deal – Espaço Criativo, em Maputo.

Com um trabalho ousado nas cores e nos traços que resultam em imagens com forma diversa, o artista desafia o observador a uma série de realidades que, nalguns casos, remetem as vivências da cidade de Maputo, nos seus diversos espaços e contextos sociais.

Fiel dos Santos é guiado por um olhar crítico sobre as relações humanas no meio urbano, o que pode ler-se no facto de, quando retrata esses lugares as pessoas estarem em constante movimento, de costas viradas umas às outras.

“O tecido social está a destruir-se e as pessoas estão cada vez mais individualistas na cidade e isso é mau”, disse o artista, em conversa no Núcleo de Artes. Considerou esse afastamento doentio e comentou que não conduz a sociedade a harmonia e ao sonhado lugar de beleza.

O espaço rural, por sua vez, é trazido ao observador como o condenado ao abandono porque vazio de oportunidades e possibilidades de desenvolvimento, uma vez que, como se depreende, está parado no tempo. Quem lá mora, de longe, sonha com o brilho “ilusório” da cidade.

“No campo não se vê nada, mas é de lá que a gente vem, os nossos avós estão lá e firmes, há mais saúde, a cidade destroi”, comentou a lamentar que “se maltrate” as origens das famílias que circulam nas urbes do país.

A mulher é uma referência sempre presente nas telas de Fiel dos Santos, em diferentes contextos mas quase sempre nua, com os seios à mostra cuja imagem tem um relevo e formas dignas de realce.

Conforme explicou “é a mulher mãe, estar nua não é sinal de prostituta, seio fora é a mostra de ser da mulher”, até porque, segundo entende “os valores da mulher estão no seu ser, não no corpo, é só repararmos, por exemplo, no campo andam com os seios fora, as nossas mães, em casa…”.

O título, “Encontros Sonâmbulos”, pretende reflectir, segundo explicou, o momento em que entra em contacto com a tela em branco e ainda não sabe por onde iniciar o píncel. Fiel dos Santos revela que esse instante é como que estar à porta de um portal, cujo destino final ainda é desconhecido.

“É um mundo que não sei explicar, não sabemos se estamos a fazer bem ou não, nós pintamos e depois é que fazemos a leitura, é como os curandeiros, atiram as pedras e só depois é que fazem as suas interpretações. Nunca dá para saber o que será a tela no final”, detalhou.

No seu caso, em particular, esse processo resulta num surrealismo que é a própria metáfora da vida: és tu, vives e a tua avó que não está mas vives com ela, o futuro, os mitos, os medos, o belo e o mau.

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