“NÔMADE” Uma viagem sonora pela voz de Lena Bahule

“NÔMADE”, que marca a estreia discográfica de Lena Bahule, explora diversas “geografias sonoras”, mas atendo-se sempre ao mesmo solo: África.

Pensando “Nômade” como um indivíduo em constante movimento por diferentes geografias, vemos que este é um ponto de partida nesta primeira viagem da compositora e intérprete, produzido entre meados de 2015 e princípios de 2016. Ela busca espelhar a sua dinâmica e influências pelo mundo musical.

Com 12 faixas, o álbum ficou pronto um ano depois da sua última visita ao país – em 2016 – mas só este ano é que pôde apresentá-lo em Maputo, num espectáculo no Centro Cultural Franco-Moçambicano.

Ela conta que o título “Nômade” surgiu “por causa do trânsito” que é a vida. “Costuma-se dizer que levamos a vida toda para fazer o primeiro álbum”, comentou, para dizer que é difícil definir fronteiras de tempo da sua gestação.

Lena Bahule saiu de Moçambique para o Brasil atrás de um sonho: estudar música. Para isso, primeiro candidatou-se em dois colégios de música, nos Estados Unidos da América e no Brasil. Embora o seu maior desejo fosse integrar os quadros do conceituado Conservatório de Música de Berklee College, nos Estados Unidos, o Brasil acabou sendo a sua “morada”. E lá vive há cinco anos, tendo encontrado o seu lugar na imensidão de São Paulo.

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Lena Bahule. Foto: Isaias Sitoe

 

Cresceu ouvindo jazz, género do qual o seu pai era apreciador e coleccionador. A sua educação auditiva foi essencialmente sendo feita pela música ocidental, que era de mais fácil acesso no seu meio.

A música tradicional chegou-lhe através da Televisão de Moçambique (TVM), que, conforme reconhece, desempenha um papel muito

importante na preservação e valorização da identidade cultural moçambicana ao integrar na sua grelha estilos do Rovuma ao Maputo.

Ao chegar ao Brasil cruzou-se mais uma vez com uma mistura de influências. Terá pesado nesse encontro o facto de aquele país da América Latina ser um ponto de convergência de diversas culturas, vindas de diferentes cantos do mundo. De África, Europa e dos próprios indígenas.

 “Eu vi-me, criativamente, nessa mistura”, afirmou, esclarecendo não ver o ‘Nômade’ como uma pessoa sem identidade. Segundo explica, embora ele não tenha uma residência fixa, nas suas andanças transporta consigo os seus hábitos e costumes. E foi esse o sentido que levou para o seu álbum de estreia.

Até porque, descontraída, sem poupar o verbo, enquanto ao lado arrefecia o prato de amendoim com arroz branco, descreveu-se como uma cidadã do mundo, ao assumir que “não sou de lugar nenhum, eu não sou de ninguém”.

Diferentes geografias imaginativas

DURANTE 41 minutos, “Nômade” oferece um repertório que é o manifesto de quem viaja por diferentes geografias imaginativas, permeia no mundo à busca de elementos sonoros para construir a sua música, mas tendo sempre os pés assentes no solo africano e também sem nunca ignorar a timbila da etnia chopi, da qual é originária.

Confira o álbum na integra

As festividades, reuniões e momentos tristes de civilizações africanas têm na canção e na dança um elemento dominante.

Lena Bahule apropria-se disso e nesse processo, de alguma forma, acaba invocado uma aura com um “quê” de espiritualidade.

BAHULE - 1.JPGSem associar o seu discurso a qualquer via religiosa, disse ver “na espiritualidade uma conexão com a natureza”, mesmo porque, para si, “a natureza é totalmente musical”. Nesse sentido a música serve de ponte entre a humanidade e o universo.

Passos e temas

Logo à primeira, depois de “Kuphalha” (faixa 01) – (pedido de bênção aos ancestrais) -, tema que faz a introdução do álbum, com “xithokozelo” (poema laudatório), de Tchaka Wa Bantu, em “Nômade” (faixa 02), já fica claro que se está diante de uma estética particular, para aquilo que é a música moçambicana.

A voz e a sua variedade de possibilidades destacam-se neste trabalho, com recurso ao lupe que amplia, sobrepondo entoações vocais, resultando em novas melodias únicas. A secção instrumental torna-se secundária.

Lena Bahule numa estação de televisão brasileira

Lena Bahule olha para si como um instrumento musical, não apenas pela sua voz, mas também o seu corpo. “Comecei [a usar esta técnica] sozinha por frustração de não poder contar muito com outros músicos”, narrou, explicando que o desencontro com alguns músicos a colocou numa situação de ter que conceber uma música reduzida.

Através da música corporal, prosseguiu, descobriu que podia explorar e criar outras melodias em forma de harmonia. O resultado recorda algumas rumarias de Richard Bona, Lokua Kanza, (em alguns momentos) Sara Tavares, – Isabel Novela, em alguns concertos, mostrou aposta nesta estética -, para não falar de referências como Bobby McFerrin.

BAHULE - 2Desde que está a residir no Brasil fez várias pesquisas sobre a música africana, o que nutre o seu vocabulário de fraseologias que permitem viajar por sonoridades da África Oriental, nalguns pontos. Mas sem ignorar a música chopi.

“Nômade” ainda ruma pelas influências religiosas de Lena Bahule, disso é exemplo o tema “Oração” (06), que é a recriação de uma canção cristã, mais adiante, “Solomoni” (09), conduz de volta ao gospel.

Confira a sua apresentação do álbum

 

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