Trabalho na pastelaria, em turnos (1)

 Treze meses de namoro, ele tem duas certezas:  a procura acabou, a mulher certa já não é preocupação. 

Enquanto o chapa desafiava a entrada e as regras de trânsito, o homem de macacão azul conservava com o seu amigo, no banco de trás. Eu também estava no mesmo assento, uma moça, maquilhada até os dentes, separava-me deles. 
Desliguei o som do celular, pois a música alta que os auriculares gritavam feriam os meus ouvidos.
Pensei em reparar a paisagem, entreter-me com o som dos motores dos carros e o barulho da multidão que caminha pelas ruas da minha cidade. 
Eram 22:00 horas. Meu corpo já nem me obedecia, sentia um formigueiro no pé esquerdo: são os assentos mal colocados. 
Deixe-me voltar ao homem de macacão. Sim.  
Dizia que ele estava apaixonado. Até já se havia apresentado aos pais da moça. Colocou um anel, destes baratinhos, no dedo dela e estava a espera de mais um biscate para lobolar. Pensava em assinar no registo civil e acabar com toda dívida. 
“Ya brou, tenho que jobar. Quero tako para acertar o remanescente com a minha bebolinha. A gaja ficou feliz com a apresentação, mas quero fechar a boca da família dela” disse. 
O amigo do jovem só abanava a cabeça, respondia com repetitivos: “ya jonh!”.
“Sou pedreiro e já tenho um quartinho na Santa Isabel. No próximo job vou aumentar os bilocos e fazer a sala. Vou afinar umas chapas aí, sabes comé brada, temos de phandar“.
Sorridente, o pedreiro de macacão azul contava os seus planos. Mas não percebi bem o macacão. Olhei com atenção aquela roupa de trabalho e vi tinta. Dentro de mim perguntei: Ele é pedreiro ou pintor?
“Quando esse peace job terminar,  quando colocarmos a segunda mão na casa daquele boisse, terei tinta para mafiar um pouco, pintar fora. Será uma casa à maneira”, narrava o homem do macacão, sem pausa, com uma voz grossa e lenta.
“Mas existe um problema,  minha bebolinha trabalha em turnos, entra as 20 e sai de madrugada na pastelaria. Agora não vive comigo, mora com uma tia”.
Pelo que contava,  a situação estaria estável logo que eles se mudassem para o bairro Santa Isabel. Se meu ouvido não me enganou, a mudança estava prevista para menos de 7 dias. 
“Assim que ela trabalha em turnos, quem vai cozinhar?”, questionou o amigo.
– Ela disse que vai arranjar outro emprego. A pita me ajuda. Quando ela vem,  me passa uns milzinhos aí, as vezes até mais, e uso para a obra.
– Passa-te esse tako quando brada?  
– As segundas e terças ela não joba e ficamos a nos curtir. Sabes comé?
– Fogo,  tens uma gaja takuda pha. Mais quanto recebe? 
– Disse que são 2,5. 
– Hum,  brada, se são 2,5, então ela tem extra. Desenrasca noutras cenas para todas as semanas estar a passar mola para obra. 
– Brada, a obra está a treminar e a gaja está a me ajudar. Sua gaja ti ajuda?
– Não fala da minha gaja,  nem trabalha essa,  mas quer extensões (cabelos).
– Estás mal, tens de ter uma gaja como a minha. 
– Mas em que zona sua pita joba?
– Numa pastelaria perto da baixa.. 
Sem ser convidada, a maquilhada reagiu:
– Na baixa não existem pastelarias que abrem até as zero. 
– Cala!!!
Disseram os amigos em simultâneo. O carro pausou e os dois desceram. Fiquei ali, a moça maquilhada olhou para mim,  disse algo,  eu até escutei, mas não lhe dei muita atenção, pois o cheiro de cigarros e álcool que ela reproduzia não me agradava.
“Estão a Tchunar aquele gajo. Estão montar aquele gajo. Conheço aquelas matrecadas”, repetiu, quando estava para descer do chapa. 
Nem pensei nas palavras da mulher, voltei a colocar a música e deixei me embalar pela viagem. 
 
HÉLIO
Acredita em seus sonhos e transforma-os em verdade. Com amigos fundou o Mbenga e escreve o seu destino. Colaborou com periódicos dos
PALOP’s, trabalhou em Relações Públicas ( assessoria) e Publicidade e Marketing. É repórter do Notícias. Este é só o principio da revolução.

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