Viajar por Kukavata (5)

Por Dadivo José

Ferido regresso

O famoso ferido regresso de Pedro Langa é trazido neste álbum. A recriação da composição ganhou contornos de uma balada, uma interpretação de Chitsondzo também sublime, não reclamão como a voz mandona e rouca do Pedro, mais muito apelativo.

A música ficou muito mais bonita e mais tocante. Não atinge o pico da perfeição porque perdeu o sentido dramático, tal foi a distracção da banda em não respeitar a sequência dos coros do Pedro. A primeira estrofe tem como refrão “ niyamukeleni maxaka, malembe ya kutsaka mafikili/matwasili (recebei- me família, os anos de alegria e de amor chegaram). Já no segundo refrão, depois de uma narração de decepção quando ele chega a casa, o coro é “ Nlamuleleni vandinwini, maxaka ya mina ma rurili/mafabili (socorro, amigos. Os meus familiares desapareceram).
A mistura de coros que é feita nesta gravação retira todo o sentido de tragédia testemunhado após a migração em busca de melhores condições. Vale a pena transcrever o sentido melodramático do Pedro, para que os meus queridos Ghorwane possam entender o erro grave que cometeram: ”Pedro Langa mostra a história do jovem que abandona os seus, a procura das melhores condições de vida e, quando volta, o cenário é desolador.
“Nambi nsinha lowu wo saseka”- Até aquela árvore frondosa
“Ni matluka se mawili- caíram as folhas todas”.
Este cenário já mostra a desgraça. Se para os outros, a queda de folhas mostra a passagem do verão para o inverno, para o Pedro, aquilo mostra a desgraça que abateu a família. E um ferido regresso, de um tipo que escalou elevações e embalou-se nas descidas, durante muitos e longos tempos, para chegar encontrar a casa cheia de falta de presença humana. De herói provável no sonho dele, passa para viúvo e órfão dos seus. Eu gosto do grito dele quando naquela voz, com uma ronquidão malandra, escondida, mas audível, suplica:
Ni lamuleleni vandue / Socorro companheiros
Maxaka ya mina marurile/ os meus familiares se mudaram
Ele diz que se mudaram, uma linguagem local para suavizar o desaparecimento físico e definitivo de alguém, sem sequer saber onde estão os familiares.
São migrações, filhas da guerra e fome, que são cantadas em muitas músicas desta banda. Se Políbio disse que a História é cíclica, os Ghorowane interpretaram na perfeição estes ciclos, fazendo um redemoinho das suas composições em termos temáticos, o que mostra que os nossos problemas são recorrentes. Estamos sem visão para resolvê-los, sonambulamos ao ritmo da nossa própria terra, “Miacoutomente” falando.
Posto isto, há que assumir o erro. Entretanto, repito, a recriação da música foi sublime e com uma excelente execução instrumental. É uma balada para escutar e reflectir a cerca das tantas deslocações motivadas pela guerra. O toque de mestria de Dodó na guitarra… sem comentários.

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