ICO COSTA: “Há realmente pessoas na Europa que pensam que em África só há sofrimento e não propriamente vidas”

Por Elton Pila

Ico Costa (n. 1983), depois de ter vivido em Inhambane por um ano, recentemente, lá voltou para realizar Nyo Vweta Nafta. Um filme que fala de sonhos na juventude. Mas também dos sonhos de Moçambique, isto talvez sirva para quebrar alguns estereótipos em relação à África.

O curta-metragem já foi exibido em vários festivais de cinema na Europa, o Kugoma abre espaço para a primeira exibição no país em que foi rodado.

Mbenga: Artes e Reflexões (Mbenga) – Nyo Vweta Nafta foi um filme rodado, integralmente, em Moçambique. Qual é a expectativa de uma apresentação para o público moçambicano?

Ico Costa (IC) – A expectativa é grande. É sempre bom perceber como reage o público do país onde o filme foi filmado. Isto apesar de, ainda assim, a barreira cultural (e social e económica) entre o público de festival de cinema da capital e a camada da população sobre a qual me debrucei no filme ser ainda grande. De certa forma o filme poderá ser melhor compreendido do que num festival em Espanha ou na Alemanha, mas ainda assim a forma de vida das personagens, o idioma que utilizam, etc. serão sempre estrangeiros à maior parte do público que frequenta o Centro Cultural Franco-Moçambicano.

Mbenga – Quando venceu o Prémio de melhor curta-metragem no Festival Internacional de Cinema du Réel, disse à imprensa portuguesa que esperava que a distinção fosse uma oportunidade para que o filme fosse mostrado mais. Como tem sido a exibição do filme, em termos quantitativos, mas também qualitativos?

IC – O filme tem tido um óptimo percurso em festivais internacionais de cinema. Mas não sei até que ponto isso se deve ao prémio que recebi no Cinéma du Réel, ou se tem simplesmente a ver com o filme em si ou o interesse que o público internacional tem sobre um filme rodado num país de onde se ouve falar tão pouco.

Mbenga – Tem dito que o filme nasce do desejo de voltar à Inhambane onde viveu por um ano. Já tinha a ideia do que vinha filmar, quando cá (em Moçambique) chegou?

IC – Não. Sabia apenas que queria filmar em Inhambane com pessoas que estivessem naquelas idades em que se questionam sobre o futuro. Tudo o resto surgiu das conversas com pessoas que fui conhecendo, das histórias que ouvi, dos locais que descobri…

Mbenga – Fale-nos do processo de produção. A começar pelo casting dos personagens do filme.

IC – Eu fui sozinho para Inhambane, sem um argumento ou sequer uma história. Durante um mês, fui escrevendo as minhas ideias num bloco, até ao ponto de conseguir juntar material que me permitisse acreditar na ideia de um filme. A partir daí fiz um casting com jovens da cidade, do qual apenas escolhemos duas pessoas. O resto dos actores foram pessoas que conheci na rua, amigos de amigos, etc. A certa altura viajou um director de produção de Portugal e mais tarde um director de fotografia. O resto da equipa era composto por amigos de Inhambane. Éramos, além dos actores, três portugueses e três moçambicanos.

Mbenga – Acredita que depois do filme o público, sobretudo, o europeu, passa a olhar Moçambique de outra forma?

IC – Não sei de que forma o público europeu olha para Moçambique. Acho que mesmo em Portugal há um total desconhecimento sobre como é a vida nesta parte do globo. Quanto muito sabem como era a vida dos brancos no tempo colonial. A mim interessa-me simplesmente mostrar o Moçambique contemporâneo, fora dos círculos sociais de Maputo.

Mas sim, uma vez nesse mesmo festival do Cinéma do Réel, em Paris, uma espectadora perguntou-me porque fiz eu uma comédia (no entender dela) num país onde as condições de vida são tão débeis. Há realmente pessoas na Europa (pessoas com cursos superiores, supostamente cultas e instruídas) que pensam que em África só há sofrimento e não propriamente vidas. Como se as pessoas em África não falassem de coisas banais, não se divertissem, não tivessem sonhos sequer.

Mbenga – Nyo Vweta Nafta é a primeira curta-metragem, depois da formação no Le Fresnoy, no Studio Nacional des Arts Contemporains, em França. Em que medida esta formação enriqueceu a produção do filme?

IC – Foi um local em que percebi que é possível haver cinema longe das amarras narrativas que normalmente se tenta impor nas escolas de cinema. Obviamente foi essa a lógica que escolhi para este filme.

Mbenga – De que formas festivais do género pode ajudar no desenvolvimento do cinema geral, moçambicano, em particular?

IC – Hoje em dia o cinema independente, não comercial, vive na lógica da exibição em festivais de cinema. Não sei até que ponto em Moçambique essa é uma fórmula que faça sentido, visto que, como já referi, parece-me que o público que irá ao Kugoma não é de todo representativo da população moçambicana em geral. Mas mesmo o público de um festival numa capital europeia não é representativo da população rural desse mesmo país. Em Inhambane as pessoas sentem reservas em ir ao Cine-teatro Tofo, pois é um espaço que não lhes diz muito. Por outro lado, agrada-me a ideia dos cinemas de bairro, outrora já bastante importantes no país, e que me parecem estar a ressurgir aos poucos. Gostaria imenso que o meu filme fosse mostrado nos bairros. Eventualmente, é isso que faremos em Inhambane, onde as possibilidades do público se rever nas personagens e nos locais representados é maior, nem que seja por não haver a barreira linguística que existe noutras regiões onde não se fala guitonga.

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O filme do cineasta Ico Costa será uma das atracções principais do festival KUGOMA

eLTON pILA2

Sonha em mudar o mundo. Acredita no jornalismo e na literatura como agentes desta mudança. Colabora em alguns jornais, revistas e festivais de literatura. Actualmente, é redactor da Revista Literatas e tem a coluna semanal Como Sopra o Vento

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