DALILA

“Se o meu cabelo fosse cortado, perderia a força e tornar-me-ia igual a qualquer outro homem”
Sansão   (Juízes 16:17)
 
Está um dia ensolarado. Mas, aqui, as cortinas negam à sala o brilho do sol. Rostos empalidecidos, corpos debilitados, sobre a pele agulhetas fazendo penetrar pelas veias soros.
 
Lanço, mais atenciosamente, o olhar às pessoas em volta. Há mais mulheres do que homens, noto. Entre elas, uma desperta a minha atenção. A única que se deixa ver de cabeça lisa. As outras cobrem-se com perucas ou lenços.
 
Observo-a, enternecido. É bonita. A cabeça lisa deixa seu rosto redondo, completamente, nu. Os olhos, que querem ceder ao peso das pestanas, parecem duas pequenas luas com marcantes círculos negros. As orelhas curtas e firmes suportam um par de brincos discretos. O nariz côncavo condiz com os lábios ligeiramente grossos e vivos.
 
É jovem. É bonita. Fascina-me. Num tempo em que o cabelo é sinónimo de beleza, poder, força, e algumas mulheres não têm mãos a medir para tê-lo maior, ela deixa-se ver de cabeça lisa. Podia, como as outras, colocar uma peruca, fingir-se cabeluda. Enganar a sociedade, o mundo, enganar-se.
 
Podia alhear-se das sessões que lhe privam do cabelo, em nome da beleza. Mas não foi por aí…
 
O soro penetra-lhe as veias, o sono tece a sua teia, os olhos dela vacilam, mas ela não cede. Está acordada.
 
– Queres comer, Dalila? – Pergunta-lhe uma Senhora, presumo que seja a mãe.
– Ainda não tenho fome.
 
Sei, agora, o nome da mulher de cabeça lisa, Dalila. Não deixa de ser irónico. Nossos olhares cruzam-se. Ela sorri. É bonito o sorriso. É discreto. Mas ilumina o ambiente cinzento daquele serviço de oncologia.

eLTON pILA2

Sonha em mudar o mundo. Acredita no jornalismo e na literatura como agentes desta mudança. Colabora em alguns jornais, revistas e festivais de literatura. Actualmente, é redactor da Revista Literatas e tem a coluna semanal Como Sopra o Vento
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