Gémeos Parruque Parece que ainda vamos beber maisKatxassa

 
Por Dadivo José

Depois de 18 anos, tio Rungoso bebe Katxassa

Não quer nem mexer garrafão de Utxema

Não quer nem beber pouco de Uputsu

 

Cresci sabendo que katxassa, nipa, tontonto, sope, xinehluana, ou qualquer outra designação que se possa dar aquela bebida alcoólica bem poderosa, poderia sempre causar estragos no organismo e patrocinar violência para o caso de consumo excessivo. Também cresci sabendo que apesar de ter havido muitos Rungos “katxassando” durante os 16 anos da guerra civil, o Rungo Mor sempre se destacou pelos seus discursos belicistas. Era a “katxassa” produzindo os seus efeitos.

Ficamos muito felizes quando finalmente veio a paz, em 1992. Pedro Langa convidou-nos para um “Mhambayamalepfu” ou para vermos uma cobra mamba barbuda. Os músicos reuniram-se e cantaram juntos pela paz. A Companhia Nacional de Canto de Dança, ainda respirando arte e bem comandada pelo Nyusi mais famoso da altura (o Casimiro), não o baixinho que, hoje, depositamos nele a fé pela paz, também, apresentava o bailado“Ode à Paz”.

Entretanto, depois de 16 anos de guerra, os Gémeos Parruque descobriram, 5 anos mais tarde, que o tio Rungo ainda se dopava com “Katxassa”, para discursos inflamados. Parece que andamos sempre aos soluços.

Falar dos Gémeos Parruque é o mesmo que falar de um tipo de músicos sazonais, sem pressa para as suas criações, daqueles que a gente se esquece da sua existência, mas sempre que decidem aparecer trazem-nos algo que provoque reflexão. Eles são espertos e cobardes, esquivam-se na poesia, para esconder os recados e camuflar os destinatários da mensagem.

O tema “Katxassa” leva-nos para reflexão em relação aos intérpretes da nossa tão jovem democracia, puxando o tio Rungo para o centro da nossa atenção. O tio Rungo não consegue parar de beber “Katxassa”, ou no mínimo, experimentar outros sabores. Da língua que ele fala sabemos todos nós. Ficamos com a sensação de que o homem nem sequer é capaz de fazer uma declaração de amor.

Quando estiveram a destruir o país, durante 16 anos, se esqueceram que dois bois juntos poderiam melhor puxar a charrua, lá nos campos de batata-doce em Quelimane, Montupuez, Umbeluzi, Chilembene, Chissano, Maringue e qualquer outro canto deste belo Moçambique, alimentando e alegrando os seus filhos. Estavam bem embalados pelas garrafadas de “katxassa” que iam dando. Não pouparam ninguém, inclusivamente nas suas terras de origem. Claro que em tempos de guerra, as famílias dos sanguinários estão bem protegidas, sofrendo o “Zé Povinho”. Nesse período tenebroso, sem direito a palavra nem liberdade de expressão, a política era conversa perigosa, “Conversa quente/Você gemia kadjamanguana/ no calabouço”. Sofríamos no silêncio e ainda tínhamos que entoar vivas e fazer odes a um sistema que não nos dava orgasmo nenhum, como diria o Jomalu.

Entretanto, veio a paz e como que a justificar as matanças, tio Rungo-mor afirma que o fez pela democracia, por isso mesmo, “Esta terra mudou, toda gente fala de política na rua”. Só que as coisas não têm mudanças automáticas. Esqueceu o tio Rungo de que “ainda existem colonos no trabalho/labuta”. As filiações partidárias ainda contam muito no aparelho do Estado. Por outras palavras, tio Rungo acha que tem o assunto resolvido, mas há sempre pequenos trunfos na manga, que vão criando condições nada boas para ele casar a sua mulher. Ele não consegue convencer o eleitorado porque este é controlado no local do trabalho. Mas ele, também, faz o mesmo em qualquer Santugira deste país. Ele não aceita que a noiva se negue e sempre pega num copo de “katxassa” e ameaça tudo de novo, esquecendo que a democracia tem o ganho quando se aceita a derrota.

Tio Rungo mudou, agora compra rebuçados para as crianças

Tio Rungo mudou, agora bebe bebida seca

Tio Rungo mudou, agora traz merendas pesadas

Tio Rungo mudou, agora compra hamburger para lanchar

As crianças de casa deixaram de lhe chamar papa Nhacadle/ Nhavoco

Agora dizem é papa

A mulher tia Isaura sai correndo para ele

Quando tio Rungo volta do trabalho

Tlumba e toma com beijinho você que traz merenda para família

 

Tio Rungo apercebe-se que só sai a ganhar, quando se abre para o mundo. Às vezes é preciso experimentar outros sabores, simpatizar com todas idades e tendências. Ele come hamburger e apaixona adolescentes e jovens das escolas secundárias e das universidades. Hoje, ele atrai atenção de gringos europeus e americanos, que o rodeiam nas suas campanhas, dando uns goles de bebidas secas. Hoje, ele é capaz de atrair a mulher, que finalmente o aceita como marido, afinal de contas, ser marido é trazer merendas para família, ou seja, propondo soluções objectivas para as lamúrias da população. Ele recebe beijo e pisca para um eleitorado que o vê não como salvação, mas como alguém capaz de provocar um ciúme sério ao marido das primeiras núpcias, aquele que a deflorou e trouxe a prova do sangue nos lençóis, aquele que marca, aquele que hipnotiza com o vermelho e dribla até os observadores internacionais. Isto é que irrita o tio Rungo. Na verdade, as pessoas estão lá e prometem que desta vez, quão mulher sadomasoquista, “vamos ficar contigo para sempre”. E numa mota qualquer, aparece aquele outro Rungo malandro cheio de truques e adrenalina, pisca para a mocinha que sem dizer adeus, foge do tio Rungo-mor. Este, convencido que a noiva foi sequestrada (quando entrou por si só e foi ela a mostrar o melhor caminho para fugirem), cai de novo em depressão e pega na “katxassa”. Assim vai andando o meu país, sonambulando num ciclo vicioso, mas com mais teor alcoólico na “katxassa”. O que é perigoso: porque qualquer dia explodimos por dentro e morremos todos nos “katxassados”, incluindo os irmãos Rungo.

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