“BOTÂNICA”, DE FILIPE BRANQUINHO Um reencontro entre a natureza e a arte 

 
Por Hélio Nguane
DEIXOU a máquina de repouso, usou as mãos para traçar obras diversas, com as quais projectou a “Botânica”, a sua terceira exposição individual este ano. Depois de duas mostras fotográficas, Filipe Branquinho traz agora uma colecção de 34 trabalhos de artes plásticas.
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O artista plástico, ilustrador e fotógrafo apresenta, desta vez, a natureza como raízes para a sua criação que reflecte a paixão pelo desenho e a obsessão pelos mistérios das árvores.
Patente na Fundação Fernando Leite Couto (FFLC) até 16 de Dezembro, a mostra é resultado de dois anos de trabalho, cuja ideia inicial surgiu em 2014, no distrito de Guruè, Zambézia, quando trabalhava no projecto fotográfico “Guruè 15° 28‘ S 36° 59’ E”.
O produto deste projecto esteve patente, de Maio a Junho, na galeria Kulungwana, da Estação dos Caminhos-de-Ferro de Moçambique (CFM).
O contacto com a natureza, as árvores, os pássaros e o verde das paisagens inspirou o artista, levando-o a criar obras. Com os materiais que encontrou, nomeadamente papel, madeira tipicamente moçambicana como Jambire e Umbila, começou a conceber as obras.
“O ambiente de Guruè foi o ponto de partida para o trabalho em exposição. Procurei distanciar-me da fotografia e evidenciar outras expressões artísticas, o desenho, a pintura”, conta.
Desde então concebeu várias obras, mas seleccionou apenas 34 para a série “Botânica”.
Com a exposição, o artista afirma que quer levar o público para um jardim, um local calmo, em que possa contemplar a beleza da natureza. Afirma que na cidade, devido à rotina, as pessoas não têm a oportunidade de olhar para a beleza do verde das árvores, paisagem e dos animais.
“A ideia da mostra é fugir da cidade, tirar as pessoas do ambiente urbano e levá-las para a natureza”, assim se expressou, acrescentando que a escolha do título foi algo espontâneo.
Para o autor, o título “Botânica”, que é o estudo científico da vida das plantas ou Biologia Vegetal, assentou perfeitamente. Pois, como explica um documento sobre a exposição, “os trabalhos singularizam emoções, cores e tonalidades de todas as estações do ano e da terra ao céu. Estas estações são representadas pelo voo das árvores e das aves até ao solo e o que nele rasteja, desde as cobras aos pangolins”, lê-se.
Em cada obra, o artista transbordou os vários conhecimentos que apreendeu ao longo da sua experiência na arquitectura, formação feita na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Maputo, e na Universidade Estadual de Londrina, no Brasil.
“A arquitectura traz-me outra forma de fazer perceber a fotografia e as artes plásticas. Aprendi várias técnicas que hoje me acompanham”, afirma.
A sua bagagem nesta área influencia nas criações, que evidenciam a matemática e geometria, como técnica para trazer a beleza da natureza.
Nos seus trabalhos deixou o espírito criativo falar mais alto. Para concebe as obras, o artista usou vários materiais como tinta china, café, acrílico, pedaços de porcelana, madeira, mármore, entre outros.
Apesar do uso de muitos materiais e técnicas, Branquinho revela que tem um fascínio pelo desenho na madeira. Esta matéria – a madeira – afirma a sua relação com a natureza, com base na própria natureza. Os desenhos nesta superfície, por vezes, se confundem com gravuras.
Mas não só de desenho é feita a exposição. Existem colagens, uns toques de pintura e incursões pela gravura.
Nas colagens, por exemplo, o artista recortou algumas folhas, páginas 32 e 33, de um livro velho e construiu outras estórias, em cada nova obra.
“As palavras coladas não têm uma lógica intencional. Pessoas que viram as obras trouxeram algumas explicações. Até pode ser, pois as palavras estão enquadradas num contexto. São páginas do mesmo livro”, explica.
A obsessão pelas árvores
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Na exposição, o artista mostra a sua obsessão pelas árvores. A maioria das obras traz algumas novas e outras velhas. Filipe Branquinho justifica que “elas são o foco, o tema que norteia a mostra”.
Nos trabalhos, o artista procura trazer os mistérios e a beleza da árvore. Elas “resolvem o que nenhum humano logrou alcançar: Decifraram o segredo da imortalidade. Cada tronco desprovido de vida está morto apenas por fingimento. A árvore morre só por mentira”, afirma Mia Couto, no catálogo da mostra.
Segundo o escritor, para encontrar a alma da árvore o artista deslocou-se daquilo que fazia como pintor, fotógrafo e arquitecto.
“Deixou em casa tudo o que trazia na bagagem. O seu olhar emigrou da cidade para um território que parecia distante e rural. Para descobrir que esse outro mundo morava, afinal, dentro de si”, disse.
O autor de “Terra Sonâmbula” e “O último Voo do Flamingo” afirma que Filipe Branquinho traz nas obras sentimentos, sensações, imagens de criaturas belas e assustadoras.
“Nos seus traços não se revelam apenas assombrosas criaturas, verdadeiras filigranas feitas com beleza, precisão e rigor. O que estas obras revelam é o próprio tempo. Assim como os séculos infinitamente esculpem os troncos, também o material do pintor é o infindável ciclo das estações”, anota.
Para Mia Couto, as árvores que o artista plástico cria têm um toque especial: “As árvores de Branquinho ficam para além de todo o saber, de toda a botânica. Porque elas compõem uma floresta que vive dentro de nós mesmo antes de nascermos”, afirma, acrescentando que nesses bosques sagrados, as aves não apenas pousam nos galhos. As aves tornam-se galhos emplumados, frutos alados. E as folhas que flutuam nestes quadros não chegam nunca a tombar, porque nenhum peso lhes foi conferido à nascença. Não são folhas, mas sim asas que nasceram das mãos do pintor” – poetisa.
A reposição em Janeiro
ALÉM das imagens de árvores e pássaros, na exposição tem duas imagens femininas. “Moça na Esteira” e “Eva, Triptico”, que chamam atenção pela beleza e pelo pormenor. Filipe Branquinho explica que elas são continuidade dos trabalhos transactos.
“Em 2010, fiz a minha primeira exposição de desenho, intitulada ‘Ilustração por Filipe Branquinho’, que esteve patente no Instituto Camões. Na mostra apareciam mulheres na cidade. O que fiz em ‘Botânica’ foi trazê-las para o campo, à natureza”, disse, reforçando que nas obras aparecem componentes que remetem à natureza, como o verde e os pássaros.
O autor convida o público a olhar para as obras e tirar a sua própria interpretação. Nota que quem não poder ver a exposição este ano poderá fazê-lo no ano que vem.
“A exposição não tem uma mensagem específica, o público pode observar as obras e fazer a sua própria interpretação. A mostra volta em 2017, de 16 até 30 de Janeiro. Algumas obras já foram adquiridas, os proprietários emprestaram-me para que o público possa velas”, explicou.
O artista plástico afirmou que não tenciona levar a mostra para fora das fronteiras nacionais, como fez este ano com a exposição “Paisagens Interiores”, que esteve patente em Portugal, na Galeria Av. das Índias, em Lisboa.
Percurso e influências
O MEIO influencia o homem. Filipe Branquinho cresceu rodeado num ambiente intimamente ligado ao mundo do jornalismo e das artes. Cedo envolveu-se com a fotografia, através do contacto com alguns nomes da fotografia moçambicana, como Ricardo Rangel, Kok Nam e José Cabral.
Depois de mostrar os seus trabalhos ao público, o talento de Branquinho extrapolou as fronteiras nacionais e ganhou reconhecimento internacional. Participou em diversas exposições colectivas e individuais no Brasil, África do Sul e Portugal. Tem diversas obras em colecções particulares. Em 2012, foi vencedor do Prémio Internacional Estação Imagem/Mora, na categoria de retratos, e foi convidado a participar na PARIS-PHOTO 2012, representado pela Galeria Magnin-A. E foi finalista do BESTPHOTO 2012.
A lista de exposições do autor encontra-se ainda “Ocupações” (2011-2014); “Showtime” (2012-2013); “Chapa 100” (2013); “Vila Algarve” (2013 – projecto em curso); “Ungulani” (2014); “Guruè” (2014 – projecto em curso); “Paisagens Interiores” (2011-2015).
Apesar da notoriedade, Branquinho tenta manter-se humilde. “Os elogios e prémios aumentam a minha auto-estima. Mas faço o possível para continuar o mesmo. Agradeço por poder andar nas exposições despercebido, pois as pessoas reconhecem o trabalho, ele é que deve ser o foco”, disse
Na sua visão, além do talento, o artista deve ter outros atributos. “Aprendi a ser organizado. Tive de ser mais aberto, criei uma rede de contactos. Não basta ter talento. As pessoas devem conhecer-te, deves saber divulgar o teu trabalho”, referiu.
*Publicado no Jornal Notícias do dia 07/12/16

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