“NgomaYethu – O Curandeiro e o Novo Testamento”: tradição e religião

paulinaChiziane10-09-15O curandeiro é nossa propriedade, é de África. A bíblia, segundo a escritora Paulina Chiziane, também tem algumas das suas origens neste continente. “NgomaYethu – O Curandeiro e o Novo Testamento” é resultado de uma viagem pelas tradições africanas e o cristianismo. A recente obra da escritora Paulina Chiziane, lançada no dia 10 de Setembro, escrita conjuntamente com Mariana Martins percorre universos pouco explorados. Provoca, desafia, atreve-se, acima de tudo exalta África.


Texto: Hélio Nguane

paulinaChiziane10-09-15
Existem vidas por explorar. Tradições por garimpar. Vivências de profissões por revelar. Mariana Martins, curandeira de profissão há cerca de 30 anos, tinha algo a dizer. Em seu íntimo guardava estórias fantásticas, experiencias únicas que sem o divido tratamento levaria a cova. Quando conheceu Paulina exprimiu o desejo de revela-las. Chiziane não pestanejou, contra meio mundo se entregou a aventura e materializou-a em livro.

Nas cerca de 300 páginas, a obra desafia dogmas instituídos por uma visão eurocêntrica. Segundo o docente e presidente do Fundo Bibliográfico de Moçambique, Nataniel Ngomane, “Ngoma Yethu” é um conjunto de ensaios que questionam os modelos de pensamento europeus. Indaga a utilidade dos mesmos para o nosso continente. Desafia-nos a cultivar nossos próprios sistemas de pensamento, pois estes propiciarão o desenvolvimento de Africa.

“A libertação dos africanos começa na Academia, na coragem de assumirmos quem somos e podermos escrever a nossa história. Nos Estados Unidos, Brasil e outros países, há bibliografias sobre as tradições deles. Por isso, eu escrevo hoje pensando no amanhã”, elucida Chiziane.

O curandeiro e as tradições devem ser exaltados
No dia do lançamento, apesar das cadeiras estarem meio distantes, dava para ver a conexão de Paulina Chiziane e Mariana Martins. Elas dividiram momentos, conversas profundas. “Em meus 30 anos Curandeira vi muitas alegrias e tristezas”, expressou Mariana no dia do lançamento da obra.
A co-autora da obra, Mariana Martins é cristã, mas os rumos da vida também lhe tornaram curandeiras. Como a maioria, no início recusou o chamado, mas acabou rendendo-se.

Na visão desta experimentada “maestra de mistérios dos espíritos e da cura” o curandeirismo e a religião cristã podem se fundir. Segundo ela, esta união pode trazer bons resultados.

As experiencias desta mulher que dedica a sua vida a esta profissão que é por vezes banalizada foram escutadas e escritas em “Ngoma Yethu – O Curandeiro e o Novo Testamento”. Paulina estava ciente de que o desafio não seria fácil.

“Quando estava a escrever e cruzava com as pessoas, dizendo que estou a preparar um livro sobre Curandeiros, alguns diziam: não faça isso. Escreva sobre combatentes e outras coisas. Mas para mim, todo este trabalho de ir às raízes ouvir as pessoas que lidam com as questões tradicionais, para mim foi muito apaixonante e acredito que vai contribuir para uma nova visão da moçambicanidade”, exprimiu.

Na visão da autora de Baladas de Amor ao vento (1990), Ventos do apocalipse (1996), Sétimo juramento (2000), Nicketche: uma história de poligamia (2002), O Alegre Canto da Perdiz (2008): “Outros continentes deram grandes avanços, pois não negam as tradições. Nós africanos seremos atrasados, subdesenvolvidos, se não pararmos de negar nossa identidade”, espezinha.

O canibalismo das novas igrejas
Com exemplos e palavras que não escondem o seu desagrado, Paulina Chiziane questiona o papel das novas igrejas evangélicas. Repudia o facto de estas negarem a nossa cultura e tentarem imperar com a deles. “Hoje vejo um Pastor dizendo: cara não toca Timbila. Isso é um instrumento do Diabo. Venha para minha Igreja tocar Piano”, ironiza.

Com indignação, raiva e tristeza, narra um episódio em que a ambição das novas igrejas em ter mais crentes resulta em morte. “Uma moça grávida recusa ir ao Hospital dizendo que o Pastor untou a ela com azeite na Igreja. Só que depois desmaia e quando vão para o Hospital, ela perde a vida porque o bebé dela morrera há muito tempo”.

Na visão de Chiziane essas igrejas estão a repudiar a legitimidade dos hospitais. Assim, colocam em risco a vida das pessoas. “Eles até afirma que curam doenças incuráveis”, expressa com repulsa nos olhos.

Para concluir, Paulina afirma que estas invocam as tradições, aquelas que amedrontam, na hora de atrair mais crentes. “Eles nos seus cultos falam de marido espiritual, Nunca vi essa matéria no cristianismo”.

Presente no evento, Tomás Viera Mário, o presidente do Conselho Superior de Comunicação Social (CSCS), concordou em número, grau e género com a análise de Chiziane e lançou um apelo. “Há que se colocar de lado a parte financeira, e se olhar para o bem-estar do público. O que aparece na televisão é tido como verdade. Temos de legislar sobre essa matéria”.

O livro marca um momento da escritora que depois de Na mão de Deus e Por Quem Vibram os Tambores do Além decide mergulhar mais profundo, relacionando o curandeirismo com bíblia, com maior ênfase para o Novo Testamento.

Paulina Chiziane iniciou a sua actividade literária em 1984, com contos publicados na imprensa moçambicana. “Balada de Amor ao Vento”, editado em 1990, foi o seu primeiro livro, e que tornou-a na primeira mulher moçambicana a publicar um romance.

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