JOSÉ BARATA: Uma vida dedicada à música

José Barata celebrizou-se pelas músicas “Xonguile”, “Sida Malume”, “Grito deMolwene”. Como que a deixar-nos folhear páginas nunca antes exploradas do seu livro…



José Barata nunca sonhou em ser músico. A vida é que o levou a trilhar por este caminho.“Comecei a envolver-me com a música quando tinha13 anos. Era uma brincadeira do bairro. Um irmão do meu amigo fazia parte de uma banda, Os Ibéricos. Vivíamos em quintais próximos, assistíamos aos ensaios e, por vezes, mexíamos na guitarra. Assim, aprendemos a tocar, mas sem nenhum intuito de nos tornarmos músicos profissionais conhecidos na praça”, recorda.
Já com os 16 anos, José Barata tocava com sua banda e era um músico conhecido ao nível do bairro. Esse sucesso inquietava os seus pais. “Eles tinham medo que eu abandonasse os estudos e ficasse um marginal. Essa era uma ideia generalizada, o músico era visto como bandido, marginal. E isso inquietava bastante os meus pais”.
O nosso músico recebeu a primeira guitarra de um amigo. Quando a levou à casa, os pais receberam esse instrumento de forma singular. “Eles partiram a minha primeira guitarra revoltados. Para complementar o acto, eles perguntaram: onde queres chegar com isso de música? Que vida tu queres levar? Quem tu pensas que vais ser com essas coisas de guitarrada?”, recorda com a face nublada.
Depois deste acontecimento, Barata reduziu suas actividades, passou a tocar às escondidas, mas o destino tinha um plano para resolver a situação. “No dia do casamento da minha irmã, havia uma banda a tocar. Eles convidaram-nos ao palco, nós subimos e tocámos a música ‘Mame Blue’. O público respondeu com palmas, adorou a nossa actuação. Toda a minha família estava ali. Eles, sem argumentos, renderam-se, deram luz verde e abracei a música sem medo”, revive com um leve sorriso de alívio.
Música no auge, escola… um caos
José Barata dava passos firmes na música. Além dos aplausos, ele recebia uns poucos escudos (moeda usada em Moçambique no tempo colonial e até 1989, quando foi substituída pelo metical). Contrariando esta boa corrente, a escola não andava bem. “Estava difícil conciliar a escola e a música. Reprovei no 2.º ano do ciclo preparatório na escola Joaquim de Araújo, actual Escola Secundária Estrela Vermelha. Fiquei um ano sem estudar e no ano seguinte fui transferido para o curso nocturno na escola António Inês, actual Francisco Manyanga. De tarde trabalhava numa fábrica de vestuário e de noite ia à escola”, conta.
A música estava em Barata. Na fábrica ingressou numa banda lá formada. Com a banda vieram as viagens. “Percorremos vários distritos, como Moamba e Ressano Garcia, e províncias deste vasto Moçambique”.
As viagens traziam a aventura, os aplausos e faltas na escola. “Era um bom aluno na escola, mas as faltas eram o meu calcanhar-de-aquiles, meu principal problema”, constata.
O grande encontro
Na banda da fábrica, o músico moçambicano não ganhava quase nada, apenas o sabor das viagens, o respeito e reconhecimento dos colegas. A fábrica de vestuário havia confeccionado roupas, factos para os membros da banda. No ano de 1977/78, na visita de Samora Machel, então Presidente da República Popular de Moçambique, os músicos aprumaram-se para o receber. Samora, igual a si mesmo, recebeu-os à altura.
“Ele pediu para nós mudarmos de veste. Afirmou que os músicos devem usar roupas de músicos, pois são indivíduos especiais e por isso devem-se comportar como tal. A fábrica seguiu as ordens e confeccionaram outras vestes: túnicas e calças bem artísticas para nós.”.
AS NOVAS ONDAS NA VIDA DE BARATA
Os anos 1980 foram de transição. Respeitando a dinâmica destes anos, José Barata concorreu, em 1980, para uma vaga na Rádio Moçambique (RM). Ele tinha uma desvantagem: ali necessitavam de estudantes com 9.ª classe, mas ele só tinha 8.ª. “A sorte acompanhou-me e ingressei, mas com uma condição: continuar os estudos. Na RM, onde até hoje trabalho, entrei como técnico de estúdio”.
O espírito da música não morreu em Barata e ele na RM fez parte do grupo Micro Ondas. “Era uma espécie de Banda RM Júnior. Tocávamos nas festividades da rádio, banquetes e em alguns espectáculos”.
José Barata começa na banda Micro a cantar. “Em toda a minha carreira, antes da banda Micro Ondas, eu era apenas instrumentista, tocava guitarra. Um dia, em um dos concertos, faltou uma corista. Fui escolhido para cantar. Fi-lo e saí-me bem. Daí descobri este dom e não o larguei”.
Como tudo o que tem início tem fim, a banda desmembrou-se. “Nos anos 1980 havia fuga de quadros para o estrangeiro. A maior parte dos membros do grupo emigrou para a África do Sul, onde ia trabalhar nas minas. Foi isso o que determinou o fim do grupo Micro Ondas”.
Nos anos 1985, José Barata formou o grupo M2. “O nome M2 era inspirado em um dos estúdios da RM. O grupo era de estúdio, acompanhava os músicos na gravação das suas músicas. Éramos um conjunto bem afinado. Actuámos com musicistas como Madala, Elvira Viegas, Gueguê, Elsa Mangue, entre outros. Os músicos que deram de falar na época passaram por nós”, lembra.
ExperiÊncia internacional
Dos anos 1980 até 1990, José Barata construiu o seu nome e tornou-se um músico respeitado. Lançou sucessos como “Sida Malume”, “Xonguile”, entre outros. Graças a essa experiência, ele recebeu um convite. “Em 1991 fui convidado a participar num festival de música africana na Europa (Holanda, Alemanha e Suíça). Eu seria acompanhante da banda Marrabenta”.
Fora de Moçambique, o nosso músico teve de se acostumar a uma nova dinâmica. “O trabalho era árduo. Ensaiávamos toda a tarde, actuávamos de noite, acordávamos para o machibombo rumando a outros destinos e íamos de novo aos ensaios. Foram 12 ou 15 dias intensos. Lá no festival participaram artistas renomados de todo o continente africano”.
FIM DAS BANDAS E INÍCIO DO CARREIRA A SOLO
Depois de M2, Barata quis formar um grupo para actuação em concertos, mas a falta de tempo e os desencontros foram alguns dos motivos que fizeram a ideia morrer. “Para ser músico de qualidade é necessário ensaio. Um músico deve dedicar no mínimo uma ou duas horas aos ensaios. Pela falta de disponibilidade dos colegas, decidi abortar o projecto de formação de um grupo”.
A ideia de actuar em conjunto estava a morrer aos poucos na mente de Barata. Mas um facto veio consumar a extinção deste pensamento. “Em 2000, estava a ver na televisão a actuação do músico Guilherme Silva. Confesso que fiquei fascinado, ele só tinha uma guitarra e pedais. Daí percebi que podia actuar, como Silva, a solo. Comprei uns pedais e embarquei nesta aventura, até hoje actuo a solo”.
Com a carreira a solo, o problema de coordenar os ensaios estava resolvido. “Poderia ensaiar à hora que quisesse. O importante era coordenar comigo mesmo”.
A temática de José Barata
As músicas de José Barata são inspiradas na realidade diária. “Eu, em minhas músicas, espelho a realidade. A maioria das minhas músicas não é sobre a minha vida, mas sobre as experiências que assisto e dos livros que leio. Coloco-me no lugar dos outros e escrevo”.
Já nos anos 1980, o nosso músico trouxe à ribalta, enquanto quase nada se sabia, a problemática da Sida em suas músicas. “A música ‘Sida Malume’ foi, posso-me arriscar a dizer, a primeira a versar sobre essa doença no país”.
Na canção“Grito de Molwene” coloca-se na pele de um menino de rua e narra o seu dia-a-dia. “Como pai, não sou alheio a essa realidade, isso toca-me. Coloquei-me no lugar de um órfão que não tem quem o sepulte”.
Já em “Adriana”, do seu segundo álbum, Barata narra as vivências de uma adolescente exposta aos perigos do mundo: prostituição, gravidez precoce, drogas, entre outros males. “Nós, os pais, temos de velar pelos nossos filhos e controlá-los antes que eles se percam”, aconselha
As peripécias de “Xonguile”

Mas não é só sobre problemas sociais que versam as músicas de Barata. O amor e a beleza da mulher moçambicana são também temáticas marcantes do nosso músico. “Moçambique é um país repleto de mulheres bonitas. Tive o prazer de visitar as províncias deste vasto país e conheci-as. Na música ‘Xonguile’(linda/bela em changana, língua falada na região Sul de Moçambique), tentei retratar a sua beleza e formosura”.
A música passou nas rádios e tornou-se num hino. “Essa música deu maior impacto à minha carreira. Com ela, o meu nome tornou-se mais sonante”, reconhece.
A música “Xonguile” foi interpretada por Isabel Novella no seu primeiro álbum, que leva o seu nome (Isabel Novella). “Foi uma felicidade ver a minha música ser interpretada por Novella. É sublime quando vemos o nosso trabalho reconhecido”, relata, emocionado.
Porém, a emoção de ver sua música interpretada não apaga a mágoa que sente. “Antes de Isabel interpretar a música, a produtora sul-africana Native Rhythms Productions ligou-me para pedir autorização. Eles prometeram-me 100% dos lucros pela repercussão da música no álbum. Eu aceitei sem problemas. O tempo foi passando e nada de dinheiro. Falei com a SOMAS para contactar a editora e até hoje a situação não está resolvida”.
O desgosto que ele sente fê-lo voltar ao tempo e recordar um episódio há muito esquecido. “Participei na elaboração da música ‘Pela paz’. Tomás MOIANE escreveu uma carta (poema) e eu, com autorização dele, dei musicalidade àqueles escritos. Foram modificações leves, mas marcantes. Quando a música veio ao público, o mérito de MOIANE e Barata foi esquecido e outros artistas apareceram recebendo as glórias da música”, relata.
O regresso de Barata
José Barata gravou seu primeiro álbum em 1997. Intitulado “O Melhor de José Barata”, esta obra foi lançada pela editora JB Record. Com um número de cópias reduzido, 500 exemplares, o álbum esgotou. O nosso músico pensou em reeditá-lo, mas um facto forçou-o a não fazê-lo. “O responsável pela JB Record morreu. Só ele sabia onde todos os materiais estavam guardados. Assim, morre a ideia de reeditar o meu primeiro álbum”.
José Barata ficou mais de uma década em silêncio, sem lançar um trabalho discográfico, mas em Setembro de 2014 saiu da “toca” e mostrou o melhor de si.
“O meu segundo álbum tem o mesmo nome, “O Melhor de José Barata”. O disco é composto por nove músicas. Delas, três são recentes. Gravado na ZEP, estúdio de Zé Pires, “O Melhor de José Barata” contou com o patrocínio do FUNDACe da Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos (CMH).”
Entre o arrependimento e a luta
Olhando para as suas cerca de quatro décadas (35 anos) de carreira, José Barata chega a uma conclusão: “Se fosse possível voltar ao tempo, eu não seria músico, teria optado pelos estudos, faculdade. Ser músico em Moçambique é estar sujeito a várias limitações. Em Moçambique, o músico não tem espaço. Não tem estatuto socioprofissional. A música aqui não é vista como profissão. Ser músico neste país é sinónimo de bandido, marginal”, afirma, revoltado.
Apesar deste arrependimento que carrega, José Barata ainda tem fé: “Vou continuar a lutar. Vamos continuar a lutar para mudar o cenário. Sou membro de direcção da Associação dos Músicos Moçambicanos, estou na área do secretariado, no meu segundo mandato. Nós estamos a lutar pelo melhor da música moçambicana”.
O nosso músico acredita que Moçambique tem tudo para ter uma indústria musical. “Devem ser desenhadas políticas que facilitem o surgimento deste projecto”, constata.
Olhando para o estágio da música moçambicana, Barata não tem dúvidas: “Tirando a pirataria, a nossa música está num bom estágio, há jovens que estão a surpreender.”
A música é o que identifica José Barata, pelo que, apesar das adversidades, ele considera-se um músico feliz. “Não me posso queixar”, exprime-se, sorridente.
O próximo ano será marcante para este operário da música. “No ano que vem, pretendo reformar-me e dedicar-me inteiramente ao que me faz feliz: a música. 2015 é para mim um ano de promoção do meu segundo álbum. Em 2016 virei com tudo, vou lançar a minha terceira obra e trabalhar mais e mais”.
Parte afectiva
A vida afectiva de José Barata é marcada por opções, umas boas e outras menos acertadas. Em Dezembro de 1977, depois de três meses de namoro, Barata decidiu casar-se. “Foi um amor à primeira vista. Éramos diferentes, eu era mais calmo e ela tinha um génio forte. A minha família era contra, mas aceitaram a minha escolha. Resultado: ficámos menos de um ano juntos e separámo-nos”, relata num tom pausado para controlar as emoções.
Depois desta experiência, José Barata fechou-se para o matrimónio. Só de 1992 até 1996 viveu maritalmente, mas a separação chegou.
O nosso músico tem cinco filhos, três homens e duas mulheres. Diz ser um pai presente e não larga os filhos por nada.

(ln jornal Notícias)

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