Em 2020, num artigo escrito em plena crise pandémica, defendi que as dificuldades poderiam servir como impulso para repensar o papel das instituições culturais. Quatro anos depois, volto ao tema com uma constatação: as vereações municipais de cultura em Moçambique continuam a ser actores subaproveitados no desenvolvimento das nossas indústrias criativas, apesar de estarem melhor posicionadas do que o Ministério para fomentar este sector.

A vantagem estratégica das autarquias reside na sua proximidade com os criadores. Enquanto o Ministério da Educação e Cultura opera no plano das grandes políticas nacionais, são as vereações que conhecem os artistas de rua da Matola, os grupos teatrais da Beira, os contadores de estórias de Nampula. Esta capilaridade deveria torná-las nas principais impulsionadoras de ecossistemas criativos locais. No entanto, na prática, o seu papel resume-se, na melhor das hipóteses, à organização esporádica de eventos culturais. Maputo consegue manter, ainda que com dificuldades, a Feira do Livro. Mas quantos outros municípios podem dizer o mesmo? A maioria limita-se a acções pontuais – um workshop aqui, um festival ali – sem qualquer visão estratégica de como transformar talento em economia.

Olhando para exemplos africanos, vemos como esta proximidade territorial pode ser melhor aproveitada. Na Cidade do Cabo, a autarquia criou o programa Creative Cape Town, que transformou espaços urbanos ociosos em hubs criativos e ofereceu formação técnica em áreas como cinema e produção musical. Hoje, o sector criativo responde por 12% do PIB local. Em Lagos, a film board municipal simplificou licenças para filmagens e criou linhas de microcrédito para produtores independentes, ajudando a consolidar Nollywood como potência cinematográfica.

O que falta então às nossas vereações? Em primeiro lugar, uma mudança de mentalidade: deixar de ver a cultura como mero entretenimento para compreendê-la como eixo de desenvolvimento económico. Em vez de organizarem eventos isolados, deveriam criar editais municipais para projectos com viabilidade comercial – financiar, por exemplo, um estúdio de gravação em Pemba que pudesse sustentar-se através do aluguer de equipamentos. Os espaços municipais subutilizados – como o Mercado do Povo em Maputo – poderiam ser convertidos em pólos criativos à imagem do Kazuri Market em Nairobi, onde artesãos vendem directamente a turistas e exportadores.

Um passo fundamental seria o mapeamento sistemático do sector: quantos artistas existem por bairro, que infra-estruturas utilizam, quais as suas necessidades técnicas. Quando a Cidade do Cabo realizou este diagnóstico em 2018, descobriu que 32% dos empregos locais estavam directa ou indirectamente ligados ao sector criativo. As nossas autarquias operam no escuro, sem dados que lhes permitam tomar decisões informadas.

A pergunta que fazia em 2020 – “O que fazem as vereações para apoiar os seus artistas?” – precisa hoje ser reformulada: “Como podem as vereações transformar artistas em empreendedores culturais?” As soluções passam por exigir planos anuais concretos para as indústrias criativas, como faz a Tanzânia com os seus District Cultural Profiles; por vincular financiamento municipal a resultados mensuráveis; e, sobretudo, por olhar para os exemplos africanos de sucesso e adaptá-los à nossa realidade.

Enquanto as vereações se limitarem a ser organizadoras de eventos em vez de incubadoras de indústrias, Moçambique continuará a ver os seus talentos partirem para outros países onde encontrem as condições que lhes deveriam ser proporcionadas aqui. Como escrevi há quatro anos, a vocação das instituições públicas é encontrar soluções. No caso da cultura, a solução está clara: dar às autarquias os recursos e a autonomia necessários para que a sua proximidade com os criadores se traduza em desenvolvimento económico real. O potencial existe. Falta apenas a vontade política para o concretizar.