Entre as 13h30 e as 19h daquele 25 de Janeiro de 1980, o banco Volkskas em Pretória transformou-se no palco involuntário de um acto político que o cinema agora resgata. Dirigido por Mandla Dube e disponível na Netflix, Silverton Siege (2022) reconta com licenças dramáticas o episódio real protagonizado por Wilfred Madela, Humphrey Makhubo e Stephen Mafoko – militantes do MK treinados em Angola que, na adaptação, dão lugar a Calvin Khumalo (Thabo Rametsi), Aldo Erasmus (Stefan Erasmus) e Mbali Terra (Noxolo Dlamini).

O filme oscila entre os clichés do género e uma reinvenção política. De um lado, a dupla de polícias – o “bom” capitão Langerman (Arnold Vosloo) e o brutal “Pequeno Crocodilo” (Justin Strydom), evidente alusão a P.W. Botha – segue o manual hollywoodiano. De outro, detalhes como a presença estratégica de um refém negro norte-americano transformam o cerco num espelho das lutas raciais transnacionais, do Black Lives Matter ao legado inacabado de Malcolm X.

A opção por incluir Mbali como personagem central, substituindo um dos guerrilheiros históricos, revela tanto as conquistas quanto as limitações das narrativas contemporâneas. Se por um lado reconhece o papel das mulheres na luta, por outro reduz-na ao lugar de “namorada do militante”, ignorando figuras como Ruth First ou Winnie Mandela que desafiaram essa condição secundária.

A fotografia de Mondli Makhanya – com seus enquadramentos precisos e jogo de luzes em cenários económicos – e a banda sonora que mescla Fela Kuti, Chicco Twala e Johnny Clegg criam uma estética paradoxal: a luminosidade invade o drama sombrio, elevando os militantes à condição de mártires conscientes capazes de transformar o cerco num palco político, exigindo a libertação de Mandela (e, na realidade, de James Mange). A introdução de um traidor entre eles, ainda que historicamente imprecisa, reforça essa narrativa sacrificial, ecoando os paradoxos da própria luta armada.

Em 2025, o filme adquire novas camadas de significado. Quando a África do Sul governada pelo ANC acusa Israel de genocídio em Gaza, Silverton Siege deixa de ser apenas memória para se tornar espelho das contradições da História. O que permanece é a pergunta: como narrar as resistências sem reproduzir as violências que as geraram? O filme não oferece respostas fáceis – mas ao colocá-las em cena, já cumpre parte essencial do seu papel.