O dia é que entrevistei Mia Couto

Ao longo da minha formação em Jornalismo, os docentes alimentavam-nos de dizeres voltados à postura de um profissional da comunicação social. Segundo eles, não devíamos tratar figura alguma com estrelismo. Todas as fontes, diziam, eram importantes ao mesmo nível – ninguém era mais alguém que o outro.

Anos depois venho aqui desmentir essas declarações. Falar com o Presidente da República não é o mesmo que falar com o seu conselheiro. Há um extenso espaço proeminente entre um ninguém e um alguém.

Gosto de fazer Jornalismo Cultural, é como se me jogasse no mar e todas as dores passassem. Tenho lá a oportunidade de entrevistar e ver pessoas que admiro e na minha lista estão Mia Couto, Paulina Chiziane, Eduardo Quive, Lucrécia Paco, José dos Remédios e outros tantos.

Novidade – estive em um frente a frente célere com Mia Couto. Eu estremeci. Tentei, até, ser congénita, porém foi impossível. Olha, é do António Emílio Leite Couto que se trata.

Suei o corpo todo e a voz ficou embaçada, as palavras mal se formulavam e, cortês, ele induziu-me ao pensamento de que ele é um ser humano como qualquer um. Nós sabemos que não.

Foi ao longo do lançamento de “Compêndio para desenterrar nuvens”, o seu 36º livro. Vi-o tão perto e tentei interpretar cada palavra por mim já lida dos seus livros. Pessoalmente, parece feliz, mas aquelas palavras já escritas parecem perturbadoras – quem leu “A menina sem palavras” vai entender, digo o mesmo de “Mulheres de Cinza”.

Ele é um homem atormentado, do contrário, com que sobriedade escreveria “Terra sonâmbula”? Parece que estou enganada – ele tem uma elegância elevada. É calmo, risonho e de poucas palavras faladas, identicamente, é engraçado. É tudo discorde do que cogitei. De pés cruzados, ele tentou agir, durante a cerimónia do lançamento do livro, como se aquela fosse uma ocasião habitual, mas não era, para nós que o admiramos aquilo foi um prémio.

Quando estiquei a mão e o gravador para registar as respostas que daria, fui invadida por uma histeria fora do normal, ele foi paciente e acalmou-me. Tinha preparado um leque de questões pensadas há muito tempo, mas naquele exacto momento esqueci-me de tudo e fiz perguntas básicas. Por pouco não perguntava o seu nome. Ele deve ter pensado que se tratava de uma jornalista irresponsável.

Para a minha surpresa, ao pegar no gravador, percebi que não tinha registado nada do que falara. Tremi mais. O que levaria à redacção? A alegria de ter estado frente a frente com ele seria suficiente?

Queria poder perguntar-lhe o básico: 1 – De onde Mia busca esses tantos palavreados? 2 – Por que lemos Mia em histórias que nos levam ao período do pós-independência? 3 – Quem é o Mia Couto nas suas estórias, um mero narrador ou um alguém que faz parte do enredo? 4 – Por acaso o senhor chora quando escreve? 5 – Posso imitar a sua caligrafia para escrever as minhas estórias?

Queria, ainda mais, ter conseguido olhar nos seus olhos e dizer que o meu livro favorito são todos os que já li. Dizer que toda a vez que o leio é como se estivesse com ele num diálogo. A minha imaginação tem, construído, todos os cenários que ele descreve. Cada palavra escrita me consome, inspira e faz-me querer voar, tal e qual a Imani, em Mulheres de Cinza.

Um dia lançarei uma obra literária minha e lá estarão frases de muitos dos seus livros.

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