A inconveniência e seus gemidos (2)

Pára aqui mesmo. Os guardas não podem perceber que estou a descer de um táxi. Vão me sabotar. O driver do Yango entende e estaciona. Pago. Desço. O Mazda Demio baza. Sigo uns metros a pé. 

Boa noite, senhor Fabião. Como está? O cumprimento, a sacar o BI da carteira Polo sem registo no cadastro online mas segue comigo. E já se queixa dos cinco anos de uma posse desleixada, não obstante eu reclamar o tamanho. 

Essas forças? Insisto ante o silêncio dele. Está a preencher a lista de entradas e saídas. Levanta a cabeça e me pergunta se sei que horas são. Os ponteiros do relógio informam que, pelas regras estabelecidas, não deveria estar aqui. 

Se te apanham, diz-me com o semblante severo, responde que estás no quarto 34, do bloco 4, masculino. 

Imagino que haja novos internados no tal 34. Whatever. Não me diz respeito.

Tiro cinquenta do bolso traseiro das calças jeans pretas, minhas favoritas, por acaso. Entrego-lhe. Ele sorri. Eu me entristeço, achei que tivesse separado 20. Foda-se! Cagadas.

Pode ir, caso alguém te pergunte alguma coisa, tu moras aqui – repetiu o guarda.

Entrei. Segui num passo ansioso, sem esquecer meu 50 lá depositado. A Laura escreve-me uma mensagem a reagir à minha que dizia que eu estava a chegar. 

                         Ela está aqui mas veremos como faremos, leio. 

É complicado, vocês são duas nesse quarto…

                                      Ainda bem mor, imagina se fosse naquele com mais meninas…

yah, mas não sei se ficarei à vontade… 

                                       Relaxa, amor. Já entraste? Disse ao Fabião que virias, dei-lhe uns 30, do troco que tinha.

Já, o Fabião queria viajar. E ainda lhe dei 50 paus.

O corredor do quarto dela cheira a guisado de peru. Ela gosta e sempre sai bem, embora me pareça despacho, às vezes. Aquilo é só cebola, pimenta e uma pitada de óleo. Água na boca. 

Abre-me a porta às pressas. Dá-me costas  e volta para a panela de arroz. A salada de pepino já está feita. Serve-me o sumo pêra rocha, que tanto gosta. Eu preferia, ela sabe,Coca-cola bem gelada.

Jantámos a assistir à telenovela “Maida”. A jogar cartas também. Eu até propus nomes-terra, mas elas resistiram, ia atrapalhar na novela. Perder um episódio é quase um crime. 

A colega de quarto despediu-se e virou para a parede. A Laura me subiu, já estávamos na cama, até então sentados. Nos amassamos. Beijamos. Lambemos. Até esqueci que havia mais alguém no quarto. 1, 2, 3 rounds e capotei.

De madrugada, rijo, não resisti e voltei a Laura. Desta vez embaraçado com a presença da outra, ouvia a Laura, dizer:  Não para. Isso. Vai! Cachorro, sente a tua cadela. És só meu amor? És? Me diga! Promete que só eu vou sentir esse teu pau! Promete! Gostoso, estou a má vir! Estou a ma vir! Estou  ma vir! Aí mesmo, isso não pára caralho!!!

Go go go go. 

Alguém bate à porta. Congelo. Há insistência. Será que descobriram que eu estou aqui? Acho que o Fabião teria nos alertado. Mas talvez também nem ele saiba. Há insistência. 

Go go go go. 

Salto e me visto rapidamente. A Laura e a outra, sem acordo prévio, não sei se habituadas, estão em silêncio. O que direi ao meu pai? Como explicarei à minha mãe? E ainda têm a Jéssica e a Tânia. Estou lixado se me apanham aqui. E, para piorar, amanhã tenho teste de Introdução à Antropologia.

Laura – chama quem bate a porta. Chama também pelo nome da colega de quarto. Ninguém responde. Ouço o estrondo do arrombamento, quando já estava atrás do armário, a tentar me esconder.

É o inspector, se apresenta. Houve um curto circuito na cozinha e pegou fogo – anuncia com urgências. Saiam já daqui antes que o fogo atinja as botijas – ordena já a sair. Estamos a evacuar os quartos. Retira-se com a sua equipa e seguem para o quarto ao lado. Saímos. 

Será que ele me viu? Pergunto, a percorrer o corredor. No passo apressado a Laura disse que não, mexendo a cabeça. Perguntei à colega dela de quarto. Sei lá, eu – respondeu num tom desagradável, pesado. O fumo já se espalha.

No pátio toda a pousada se junta. Os carros das TV’s a estacionar no portão. Fuck! Já estão a filmar. O que direi ao meu pai? Como explicarei à minha mãe? E ainda têm a Jéssica e a Tânia. Estou lixado se aparecer na TV. E, para piorar, amanhã tenho teste.

Continua para a semana

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