“A mensagem”: Um manifesto feminista

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Gradualmente as lamurias sobre ausência de produção cinematográfica em Moçambique vai se tornando assunto a preto e branco. É certo que popularmente ainda temos as referências da geração que deu start nos sixties e se consolidou nos eighties e nineties do século passado.

Novos nomes, em contraste com o encerramento generalizado sobre o qual já ninguém se queixa – para quê? – das salas vão surgindo. E nisso há que celebrar a existência de plataformas como Netkanema, que servem de janela para aceder à esse novo cenário.

Igualmente os concursos jogam o seu papel. O Centro Cultural Moçambicano-Alemão, este ano realizou a sétima edição do Concurso de Curta-Metragem. Para não falar do já tradicional, que se aproxima, Kugoma.

Dentre essa nova vaga surgem nomes como Ivo Mabjaia, co-fundador do Afrocinemakers, habitual nos concursos acima citados. A sua assinatura está em produções como “Jéssica”, “O Sonho”, “Capulana”, “O preto” (vencedor do Prémio Novos Autores Moçambique 2021) e “A Mensagem”. É sobre este último que discorrem os próximos parágrafos.

Numa sala aberta, sem móveis, em círculo, sentadas em capulanas – esse nosso símbolo que se encaixa para uma infinidade de possibilidades tal é a sua relevância identitária no nosso imaginário colectivo – a partilhar as suas tristes histórias de agressão, violência, atrocidades e outras palavras que podem ser sinónimo das anteriores de que foram vítimas. A vilania é comum: homens.

O meu padrasto – conta Carmen, a tentar conter as lágrimas que nascem da dor dessas memórias – nos dias de folga, o seu trabalho era me fazer sua mulher. Outras já tinham feito o mesmo ou estavam por fazer.

Uma mulher mais velha, que se presume mais experiente, as conduz e depois delas vomitarem os traumas que carregam dentro, as dá força para se recuperarem. Ela quer ser luz numa noite no deserto sem luar. – Tu és como Phoenix, que tornada cinza, volta mais esbelta – não estou a ser literal.

A crise da trama se instala quando uma delas, gótica na aparência e que podia, tranquilamente, vir de um filme de terror, assume que matar aos violadores é a solução. Entra em desacordo com a líder que a expulsa.

Com a premissa de propor uma reflexão sobre a violência baseada no género e os laivos do machismo, a curta balanceia num pretenso feminismo extremo e o comentário social.

Escapando a um ponto de vista masculino, “A Mensagem” tem a intenção – a luz da sinopse – de nos fazer ouvir, ver, sentir e refletir sobre o que elas têm a nos dizer e a maneira como expressam suas realidades. Ivo quer nos dar uma observação sobre a mulher enquanto criatura marginalizada, coisificada e sexualizada.

Porém o faz de modo previsível. Quando a gótica sai da sala é já presumível que vá materializar a cura dos traumas causados por estupradores com vingança.

Há notáveis falhas nas falas dos personagens, que parecem não ter tido tempo de interiorizar o texto. E a emoção das mulheres que nos contam as suas estórias pouco disfarçam que se trata de uma encenação de propósito para produzir a sétima arte. Embora, em muitos casos, no país ainda se argumente que se trate de um vício vindo do teatro. Neste caso não se aplicaria porque o elenco não vem desse contexto e, de qualquer modo, seria um mau teatro.

Ficha técnica do filme

UMA PRODUÇÃO AFROCINEMAKERS.LDA

Realizador: Ivo Mabjaia; ELENCO: Camila Lemos, Fleur du Desert, Shanaya Percella Abu, Alima Haggy, Yara da Conceição Carvalho, Fernanda Mugare, Joaquim Fernando, Albertina”Tchinay” Belene, Mimí dos Anjos, Sara M. Bombi, Denise Cassabira, Ricardina Manjate, Paulo Maluleque, Paulo Timbrine; Cinematogrógrafo e Editor: J J Nota; Produtor: Omar Faquirá; Produtores Executivos: Agostinho Guila e J J Nota; Operador de Boom: Paulo Timbrine; Logística: Paulo Maluleque.

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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