A dura moçambicanidade por detrás de vários rostos sorrindo

Era um dia normal, ou que pelo menos eu achava que seria normal, levantei-me, às 4:00horas da manhã para fazer o meu percurso habitual, já sentindo os chuviscos ecoando sobre as chapas, me fiz a rua muito bem agasalhada, felizmente não foi difícil entrar no transporte público, o que não era de se esperar. Sentada no meu lugar preferido, o lado da janela do transporte neste caso, observava atentamente a correria que se fazia presente nas estradas já preenchidas pela água da chuva.

Longos minutos passaram-se, o autocarro passando um dos mercados muito movimentados da nossa capital moçambicanachamado Malanga, eu ainda concentrada na janela, avisto uma mamana com trouxas na cabeça, a mão direita segurando a trouxa que se encontrava na cabeça para não cair e a mão esquerda segurava o seu filho tão pequeno, ambos muito encharcados e correndo o risco de pegar uma gripe, estavam eles tentando subir o transporte para tentar se proteger da chuva (tarde demais). Ela vendo o autocarro se aproximando, esboça um grande sorriso no rosto, com esperança de proteger o seu filhinho tão indefeso das chuvas. 

“Cobrador nikombela u ni teka, nita xhica museu” (cobrador peço que me leves, descerei no museu)”- disse a mamana cheia de esperanças, o cobrador respondeu: – “Mas mama a hu swivhoni swaku u tsakamile, ningue ku teke, unga tsakamissa vha passageiro vhanga” (mas mãe não vês que estás encharcada, não te posso levar, senão, vais molhar os meus passageiros). 

O sorriso que estava no rosto da mama se desvaneceu de imediato e como se não lhe bastasse a trouxa que lhe pesava a cabeça, ela já estava ciente que sofreria bastante só para conseguir entrar no transporte ou teria que sacrificar a ela e ao próprio filho e caminhar até chegar ao seu destino, sendo ele perto ou longe, ninguém se importava.

Continuando a minha jornada dentro do autocarro, o mesmo para na famosa guerra popular para descarregar alguns passageiros, do meu lado direito percebo um tumulto ali formado. Tento espreitar para ver o que realmente está acontecendo, quando ouço a voz de uma criança que aparentemente tem 14 anos, falando com um senhor que descia do autocarro, -“Boss, nikombela dez Meticais, nitwa ndlhala, ni dja ku xhava pão” (boss, peço dez Meticais, estou sentindo fome, quero comprar pão), disse a criança tremendo de tanto frio causado pela chuva que o apanhou em cheio, ele estava de calções rasgados e uma camiseta que só lhe cobria os ombros, -“ahh suca lani weni, u panda kaya hiku txava ku zumiwa, a hu pimissa hine, agora aguenta” ( ahh saia daqui, fugiste de casa por medo de ser mandado, pensavas o quê, agora aguenta) assim respondeu o senhor.

O carro se pôs a andar logo em seguida, vi sofrimento nos olhos de crianças indefesas, mulheres que batalham pela vida dos seus filhos e nos papas militares da fome. A única pergunta que eles sempre faziam era o que vai ser o dia de hoje? A resposta que eles recebiam era levanta na madrugada fria e chuvosa e se põe a estrada, só assim saberás como irá decorrer o dia.

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