Palavras para Ungulani?: «preocupa-te com o texto!»

Escrito por Lucílio Manjate

Não se deve dedicar palavras a um mestre, é perigoso, pois não vá alguém acusar-me de ser desrespeitoso por ousar fazer o retrato impossível de um mais velho respeitadíssimo. Pelo menos lá em casa é assim: os mestres é que elogiam os discípulos, quando estes merecem, claro.

Aos mestres comtemplam-se a sabedoria das sentenças, a memória de tempos vividos e imaginários, a eloquência da loucura. Este é o Ungulani que conheci e continuo a conhecer. Mas conheci-o, primeiro, distante, quando lia o seu UALALAPI. Devia ter 16 anos de idade. Recordo-me de o ter imaginado como sendo uma figura não moçambicana, por causa do seu nome Tsonga. É óbvio que sempre houve, neste nome, a nossa moçambicana alma, mas eu ignorava a língua, ignorava que Ungulani era nosso, como de resto ignorava a alma de sonoridades como Ngungi wa Tiong’o ou Wole Soyinka, lendas de quem, felizmente, já ouvia falar. E, sobretudo porque já tinha lido, em casa, por exemplo, OS CONTOS DE AMADOU KOUMBA, de Birago Diop, daí a bela confusão que me fez colocar Ungulani nos escaparates dessas outras vozes africanas. Afinal não fazia mal!

Foi na AEMO que o meu deslumbramento acendeu todas as minhas convicções, dois anos mais tarde depois de ler o UALALAPI, quando alguém me disse «este é o Ungulani». Nesse dia, eu não disse ao mestre o quão tinha sido difícil ler a sua obra. E ainda bem, porque, mais tarde, haveria de descobrir o prazer desse texto. A partir dessa apresentação (é estranho que não me recorde quem mo apresentou), a literatura ganhou para mim outros sentidos, densos, sublimes, mágicos. São estes sentidos que frui quem tem a honra de conversar com o mestre. Mas deve ser (pelo menos foi comigo), uma conversa de anos, pois o mestre não se abre fácil:

ele precisa ler o candidato a escritor,

farejá-lo no texto e,

de vez em quando,

até “provocá-lo”, para só então, se assim as suas averiguações o autorizarem, atirar-lhe alguns truques, emprestar-lhe livros (de autores que eu não suspeitava fazerem parte da minha família literária) e confidenciar-lhe as armadilhas e os muitos desencantos infalíveis a quem queira ser escritor.

E porque ainda quero ser escritor, Ungulani, guardo comigo este teu conselho leve e profundo, quase mesmo enigmático: «preocupa-te com o texto!» Este, O TEXTO, é o reduto do único encanto possível a quem escreve a sério, como tu, mestre, por isso vão os meus votos de que continue sempre o teu! Feliz aniversário!

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