Restituição de artefactos como caminho para a reconciliação

O académico e reitor do Instituto Superior de Artes e Cultura (ISArC), Filimone Meigos, entende que a restituição dos objectos, sobretudo artísticos e culturais, pilhados no continente africano e, em particular, em Moçambique, no no quadro da colonização e exploração europeias, deve ser tida como parte do processo da reconciliação entre os explorados e exploradores.
Meigos falava recentemente no âmbito do primeiro ciclo de debates “Restituição e Reparação de Identidades Pós-Conflitos”, com o tema “O que é nosso património”. A conversa foi transmitida através das plataformas digitais e contou com os seguintes oradores: Filimone Meigos, professora Maria Menezes e Célio Tiana, sob moderação de Belchior Canivete.

Trata-se da primeira de um ciclo em formato webinar organizado pela plataforma Mbenga Artes e Reflexões e a Oficina de História de Moçambique, a pesquisadora Catarina Simão, o antropológo Marilio Wane com apoio do Centro Cultural Franco-Moçambicano, Centro Cultural Moçambicano-Alemão, Africanofilter, Goethe Institut do Quénia.
O continente africano, no geral, e Moçambique, em particular, foram vítimas da violência colonial e que possibilitou a pilhagem de muitos produtos artísticos e culturais, destruindo uma base identitária do período antes e pós-colonial, facto que dificulta e impossibilita a construção de uma narrativa da história do continente do ponto de vista africano. A construção de uma narrativa eurocentrista também veio a contribuir na negação de uma história e valorização dos hábitos e costumes do continente, o que deturpa a visão sobre o que foi, o que é e para onde caminha o continente.
É neste contexto da busca pelo reconhecimento de uma história de pertença ao mundo, sobretudo, que a restituição de artefactos e não só é vista como um caminho indispensável para a construção de identidade e reconciliação pós-conflito. O académico Filimone Meigos, intervindo no debate ocorrido há dias, deixou ficar que já há uma noção clara de que muitos objectos ainda se encontram em colecções dos museus europeus, completamente deslocados do seu real sentido histórico e identitário, e que precisam ser restituídos.
“Consta que a maior colecção de arte Makonde está na Alemanha. Provavelmente, boa parte destes artefactos vieram da Tanzânia, outra de Moçambique, alguma contrabandiada ou tipos como troféus de guerra. Não vamos chorar sobre o leite derramado, mas podemos, como iguais, como a narrativa pós-colonial, falar sobre essas coisas”.
Para o académico e reitor do ISArC, debater estas questões “significa regressar ao local do crime, portanto, para o processo de colonização”. É por isso que defende que, ao regressar-se para o local do crime, vai se “repor, em fim, as pedras no setting do crime e darmos a César o que é de César, numa boa. Podemos fazer isso colaborando, porque afinal, estamos num mundo moderno, onde o diálogo prevalece”.
Neste sentido, o também investigador Filimone Meigos acredita que, para se voltar para o colonialismo como local do crime para reiniciar o debate sobre a restituição e reparação pós-conflito, Moçambique precisa da acção de todos enquanto cidadãos com plena consciência dos seus direitos e que agem em nome da cidadania, tendo o Estado como o maior motor no quadro da diplomacia cultural.
Mas para tal, insiste que é preciso que os estados africanos e Moçambique, em particular, se preparem para a recepção dos seus pertences, porque são bens que vão reconfigurar as narrativas actuais, africanas assim como ocidentais.
“Ganhamos uma independência, bandeira e território, mas há coisas que estão subjacentes e que fazem parte desta independência, tal como os processos identitários, os artefactos artísticos, etc, que nos ajudam a ler a estetização do social, por um lado, e os mecanismos mágico-religosos, por outro lado, como seja as máscaras”.
É por isso que defende que a diplomacia cultural é também uma das saídas mais importantes, numa “reciprocidade e boa fé, na perspectiva de Amilcar Cabral, quem dizia que a cultura é o ponto mais alto do movimento de libertação nacional. Estou plenamente de acordo com ele”.
Entretanto, para a efectivação deste desiderato, é necessário uma intervenção mais acertada do Estado, que tem a obrigação de se organizar para tal. “Pela exiguidade orçamental e a falta de visão que nos são características (falta de visão porque não há nada orquestrado, em termos de Estado, como aquele que cumpre funções sociais, particularmente nas artes e cultura), a estratégia, no meu entender, seria uma boa diplomacia cultural”.
Só nos moldes acima descritos, entende o orador, seria possível debater a possibilidade da restituição e que deve ser vista como um mecanismo também de reconciliação entre os povos. “Para mim o debate de restituição entra nesse âmbito de reconciliação, só que com actores transnacionais. Em algum momento histórico, fizeram dos nossos artefactos troféu de guerra. Para mim se trata de uma espécie de justiça restaurativa, no sentido de devolver a mossa identidade”.

ARTEFACTOS INDISPENSÁVEIS PARA O ENSINO
Filimone Meigos, enquanto reitor do ISArC, entende que a restituição dos artefactos culturais e não só vai ser importante para estudantes das artes. “Tal como Pepetela, sou da geração da Utopia, sonhamos com um país bem feito, tudo organizado, com igualdade, liberdade, sem corrupção e de alguma maneira há resquícios desse sonho. Por isso sonho com uma escola das artes com galerias equipamentos em que essas peças estejam lá e que possamos lê-las o social nelas a partir de sua estetização”.
Entretanto, o académico alerta para o facto de estes objectos, ora ainda nos museus europeus, nem sempre foram feitos como artefactos como mera estética. “Mas estando cá poderíamos fazer essa discussão, já que em algum momento da história tiveram um discurso subalternizante”.

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