Cores e emoções de Matheus Sithole

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Fografia de Júlio Marcos

Mateus Sithole desenha rostos, persegue traços do seu semblante, como quem busca abrir a cortina sobre a sinceridade do olhar, para nos revelar a alma das pessoas através de retratos. Seus modelos são crianças e mulheres, que acredita serem espontâneos, sem as máscaras das personagens do baile de fantasias que encenamos no palco da nossa vivência quotidiana.

Sithole aprende a desenhar ainda na infância, no Zimbabwe, desinteressadamente. Chega a Maputo e descobre, com um amigo, que pode ganhar a vida vendendo os seus trabalhos no Mercado do Peixe, nos restaurantes Piri Piri, e Mundos e em outros pontos da cidade. A partir daí entra na oficina para aperfeiçoar o traço realista que persegue, num exercício que, de imediato, busca captar as cores quentes que o sol desta “janela do Índico” revelam.

Os retratos são uma tradição milenar nas artes plásticas e visuais, mas nestes tempos dos selfies e dos rostos escondidos por trás das máscaras contra a COVID sejam elas cirúrgicas, de capulana, ou qualquer outra marca e feitio, reactualizam-se, resinificam-se se observamos, por exemplo, que na contemporaneidade e nestes trabalhos de Sithole, são faces de pessoas comuns, nalguns casos até de seus vizinhos dum dos Bairros periféricos de Maputo.

Matheus Sithole baseia-se em fotografias concedidas para estas telas da exposição. E para dar alma aos seus trabalhos, com falta de tinta no mercado, por força da pandemia introduziu farrapos de capulanas coloridas. Deixa-se um tempo a observar rostos na movimentada esquina de Compone.

Noutros registos, recorre a colagem de papel queimado em telas monocromáticas, mas com diferentes tonalidades, sempre com a cor da terra – que é o princípio, o meio e o fim da nossa existência. O espírito prevalece na perspectiva de fazer da arte o território da reflexão sobre quem somos. Isso coincide com um poema Jorge Luís Borges, que escreve que “a arte deve ser esse espelho/Que nos mostra o nosso próprio rosto”.

“Cor e emoções” é a primeira exposição individual de Mateus Sithole que, tomando de empréstimo as suas palavras, marca uma mudança de direcção do seu percurso artístico: das ruas para a galeria.

Com esta mostra de trabalhos poderá estar a inaugurar uma estrada promissora que, obviamente, ainda vai precisar de precorrer longos caminhos de modo a levar-nos a vários destinos que não se circunscrevem apenas aos rostos. Haverá outras paragens.

*Texto do catálogo da exposição da exposição de Matheus Sithole, exposta na Fundação Fernando Leite Couto, sob curadoria de Yolanda Couto. A mostra foi inaugurada no dia 02 de Setembro e estará aberta até ao dia 08 de Outubro.

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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