Contos de Marques Nganga

Textos de Marques Nganga

CRIA ACTIVIDADE

Ao raiar da gigantesca Vênus, Maria Microfone, celebrando 15 anos da cabeça ao peito, 39 na cintura, degustando-se em águas cristalinas, num banheiro pintado em creme, enxaguou seus sedosos cabelos com uma toalha tecido couro, cuja existência dependeu da imolação de um co(he)rdeiro, passou-a ligeira mente sobre a zona pélvica ladeada por uma cerca não sanitária bem aparada, amarrando-a ao nível do par maboques. Maria carregava Pungu-A-Ndongu no peito, Serra da Leba da cintura aos pés, e mulenvos de baixo no rosto. Salientava-se-lhe as pernas. Era impossível vê-las e não emocionar-se entre extremidades bipédicas. Pareciam eram ‘geni(t)ais’! Já vi faces geometricamente bem desenhadas, toda via, aos pés daquelas pernas, não há via.

Chamou Maria o tempo ao quarto, pôs-se a pensar sobre o que lhe aprouvia trajear, afinal, seria mais um dia de subir a um palco. É aqui que qualquer mulher se atrasa: vira, daqui! vira, dali! vira, a colá! Há sempre motivos p´ra colar quando o assunto é escolher trapos e assessórios!

No fim da linha, como quem recebe um beijo à despedida de morte, vium vestido corda paixão que mal cobriam seus cheios seios, reluzentes de unguentos de amêndoas, passou-lhe um ferro, suavemente quente, e entrou nele. O ponteiro médio esticou-se para dois minutos antes da hora 0, e Microfone chutou aos seus carnudos lábios um label de marca americana, Forever! Aprendera que os batons são um atentado à saude e beleza dos órgãos primordiais às preliminares. À propósito, de que é feito os batons?

Derradeiramente, o espelho, encostado a uma parede sem tinta, aguardava por si, para contemplar mais uma vez a também cognominada pela vizinhança ‘mulher vírgula’, ou ainda ‘mostra tudo’. Ajeitou os seios cheios aos céus, atando os saltos do tamanho de dois anões. Depois de todo aquele aparato corporal, era a hora do show começar. Rezava eu que não saísse daí tão cedo, pois era um dê leite dos deuses, mas infelizmente, o bom é orvalho e orvalho é esforovite nadando em gasolina! …e, Maria teve mesmo de ir…

Já haviam passados, naquele palco aparado relvado, vinte cantoras, inclusive Edmessi, cuja voz dizia-se era orquestra. Mas, a plateia, uns mais compridos e outros, nem tanto, flexíveis e sensíveis, trajados em luto, ansiosos, aguardavam Maria Microfone, Nagrelha mulher ou mulher na grelha, sempre disposta a surpreender em todas as suas actuações.

Então, o primeiro insólito viria a acontecer: o palco e o microfone em pé subiram à Maria… e ouviram-se cânticos de júbilo. A hora já ia se despedindo quando o púbico pede que Maria subisse. E não é que subira mesmo… e subindo só mente a cabeça ao palco, pegou no microfone, e pôs-se a cantar. Do microfone saía um som que à Maria fez delirar. A doçura do som daquele objecto coberto de escuridão, qual comprido à Torre Eiffel, subia-lhe à cabeça, e começou a comê-lo como que banana.

Diz-se que, ‘’quando a emoção arromba a porta, o pensamento sai pela janela’’. Mas Maria criou uma fenda, como a que formavam as suas tensas mamas, precipitando o ditado à mesma e filosofou: ‘’estar em cima é poder’’.

Do âmago do céu ser, ouvia uma voz na plateia: “xéeeeee, isso não se come, moça! Mas o único ouvido que podia ouvir, já tinha sido tapado pela doçura do microfone.

Então, meia volta, ou volta e meia, esticando o microfone ao camarim, embalou-o, e fez-lhe um gelado. A plateia, enraizados ao palco, seguiram e aclamavam-na pela proeza. E um entre milhões do público púbico, com gestos, depositou um comentário no surdo ouvido dum colega ocasional:

— A criactividade também está em mudar o fim das coisas pelas quais foram concebidas

Pintura de João Timane
Pintura de João Timane

A Despedida do Rei do Nzangu

Era um rei que sorria dos olhos sempre que acordava. O seu sorriso irradiava uma imensa e bendita luz que, mesmo estando lá em cima, adoravam-no também os de cá. Sabiam que era ele que pintava o céu das suas vidas, num período do dia. Uma parte da energia que sustentava os seus ossos vinha dele. Por isso, em honra ao seu nome, a Mãe Terra e seus incontáveis filhos dedicaram-lhe um dia: SUNDAY. É claro, fizeram o mesmo à sua amada: MONDAY (Dia da Lua).

Certo dia, apartir do seu reino, lá no manto azul, bateu uma saudade, e SUN decide descer, e dar umas voltas, para visitar a sua prima Terra. Eram milénios sem se ver, desde que Ngolo, a força criadora de todas as coisas, decidiu separá-los. A viagem foi feita a uma velocidade supersónica.

Quando à casa da prima chegou, numa aldeia chamada Nzangu, SUN admirou-se com tanta beleza e fertilidade. A Terra tinha no colo milhares de filhos. Do Mosquito à Floresta. Naquela noite, conversaram bastante sobre o Sol. Desde a sua ascessão como rei da luz, até àquele momento.

No princípio, Nzangu era um paraíso. A segunda filha da Terra, a Floresta, gerou muitas outras filhas, e tornaram-se guarda chuva e guarda-raios ultravioletas daquela aldeia. Mas calma aí! Eu aprendi a dizer ‘guarda-sol’. Aham! Agora percebi que o Sol não se guarda, ou seja, não nos devemos esconder dele, mas sim, dos seus raios violentos — ultravioletas—, que só aparecem quando… deixa p’ra lá. Saberás ao meio da narrativa. Por agora, interessa-me, e talvez a ti também, continuar a ouvir a conversa da mãe Terra com o Rei da Luz.

A Terra, no final da conversa, não deixou de contar sobre a estupidez do seu filho mais novo, o Homem.

— Olha, primo Sol! O Homem me tem causado muitos danos. Aquela fruta fez-lhe muito mal— disse a mãe Terra,— não a devia ter comido.

— Mas, a Eva é a culpada de tudo— recordou o Sol— Eu vi tudo com o meu luminoso sorriso.

— Seja lá quem tenha sido. Não a deviam ter comido. Desobediência gera desgraça,— disse a mãe Terra.

— Mas o que te quero contar sobre o meu filho Homem é o seguinte: pelo seu orgulho e curiosidade, ele criou muita porcaria, desculpe a expressão! Repare: fez de escravos os seus próprios irmãos, dando-lhes trabalhos sem fim. Continua a criar guerras entre eles. Na última Guerra, que nós chamamos de 2ª Guerra Mundial, ele criou uma bomba chamada atómica. Tal bomba arrasou totalmente duas cidades do Japão, Hiroshima e Nagasaki. Por isso, temo que ele faça algum mal a ti também. Aliás, a quem diga que também terá criado uma couve em forma de coroa de espinhos que infectou todo ar que eu e os meus outros filhos, inclusive ele próprio, respiramos, durante um ano. A mesma couve, que alguns chamavam corona, causava-nos gripe

intensa, dor de cabeça, e muitas vezes, alguns não resistiam, e partiam para outro mundo, o do silêncio total. Mas sobre isso, ninguém tem provas disso — Informou a Terra ao seu primo Sol.

Mas o Sol, com os olhos abertos a 20°(graus), acalmou a sua prima:

— Não te preocupes, mana. Vou proteger-me dele. E outra coisa, prima, avisa-lhe para que não se meta comigo. Senão, como vocês dizem: ‘’vai gostar’’!

Um mês depois, o Sol já era o mais aclamado entre os filhos da sua prima. Eles não acreditavam que aquilo era realidade. O Sol entre nós?! Até o grilo pôs-se a cantar: ‘’me belisca p’ra vê se tua sonha/ tá dificíl de acredita/que és real/que és real, que és real, Sol!’’.

Na segunda semana daquele mês, todos os filhos da Terra, menos o Homem, pediam, clamando por um novo rei:

— Sol, Sol, Sol, queremos-te como nosso rei! Rei, rei, rei, queremos-te como nosso rei!

Mas ele dizia que só estava de passagem, que, em breve, voltaria à sua morada, no manto azul.

…e, de tanta insistência, naquele mesmo dia, ele fez a vontade do povo, e foi coroado a rei da aldeia NZANGU. Mas a sua prima, com a mão na boxexa e boquiaberta, perguntou-lhe:

— Como fica os manos e manas que moram lá em cima? Refiro-me à mana Marte e Vénus, aos manos Júpter, Saturno e…deixa ver…epah, esqueci-me dos outros. Não precisarão do teu sorriso?

— Talvez. Mas eles não precisam tanto de mim, porque, na verdade, Ngolo fez-me mais para ti e para os teus filhos, prima.

Passados anos, tudo corria muito bem. Ninguém se sentia melhor que alguém. Até o rei sentava-se à mesma mesa com os filhos da Terra. Promovia praias e partidas de futebol com eles.

Mas quando parecia que nada de errado haveria de acontecer, de repente, tudo mudou, e a Terra começou logo a super aquecer. E como diz um ditado: ‘’quando a mãe sofre, com ela sofrem também os seus filhos’’. Perguntavam-se todos porquê estava aquilo acontecer.

Numa manhã quente, ainda com os olhos encravados pelo sono, o povo da aldeia presenciava uma cena muito estranha. O Sol, normalmente, só abria os olhos às 7, e era com os mesmos que espalhava a sua claridade e a sua bendita temperatura. Mas a partir daquela manhã, os tais olhos, que reflectiam uma luz amarela, abriram-se mais cedo, às 5:31 minutos! E a partir daí, foram percebendo que o Sol era o culpado da sua mãe estar com febre e constantes dores de cabeça.

Desde então, nasceu uma grande inimizade, entre o rei do Nzangu e os milhares de filhos da mãe Terra.

Então, sempre que houvesse um encontro, um convívio ou até mesmo um banquete entre os filhos da Terra, os murmúrios e as favas enfeitavam aquele recinto. Ninguém o suportava. Era como um ladrão— ninguém previa quando apareceria. E quem podia empedi-lo? Só quem o criara.

Num dia qualquer, havia uma festa. O salão era a aldeia toda. Da ponta a ponta. A decoração era natural: flores daqui, jardins dali, frutas acolá! Frutas eram balões e os balões eram frutas bailando ao som das batucadas do Vento.

Quando a música começou, o Mar, ousado que era, pede dois pés de dança à rainha Terra, esta, com toda a sua exuberância, exibindo a coxa jardada com recursos minerais e florestais, com um sorriso rasgado, pergunta ao Mar:

— O que queres, senhor dos peixes?

— Mexer com a tua estrutura óssea!— Respondeu o senhor (também) das águas salgadas.

— Com todo prazer, majestade!

A senhora Formiga, pequena como um grão de areia, evitava pôr-se no meio do mar de gente. O Cágado sempre lhe dizia : ‘’grande é o que reconhece que é pequeno’’. Por isso, ficava sempre nos cantos em ambientes agitados.

O Camaleão orava lentamente em silêncio contra o possível aparecimento do rei MWINI, ou seja, Sol.

— Pai nosso que estás nos ares, Senhor Ngolo, em nome do teu cassule, Kamba ni Nguzu Yetu, que não apareça aquele intruso que o Senhor conhece muito bem.

E a vibração continuava com tarraxinha e kizomba, kuduro e semba. Não faltou música jazz e sinfónica ao vivo com a presença do senhor Sapo ( pai do contrauto), Galo (grande solista) e o príncipe do tenor, o pequeno grande Grilo e a sua namorada Cigarra. ‘’Que orquestra’’, diziam uns!

Quando tudo parecia brisa, de repente, os pares que dançavam perdidamente foram largando-se aos poucos.

— É ele. Diziam uns.- É o gajo.- Confirmavam outros.

O Sol ainda não sabia que o povo já não suportava mais a sua presença. Por isso, educamente, saudou-os e juntou-se a eles, e com seus olhos abertos a 35°, intensificou ainda mais a claridade do salão, pensando em tornar a festa mais viva.

Num tom meigo, o senhor da superclaridade, espalhou o perfume da sua boa educação:

— Boa tarde, pessoal!

Responderam aos dentes:

— Boa tarde!

A Formiga, com os olhos cravados no chão, diz baixinho: ” só se for para ti, aliás, até há poucos minutos estava um bom dia e uma boa tarde, mas… “

— Mas o quê, amiga Formiga? Questiona o Sol, franzindo a testa.

— Não fala nada! Agita o CamaLeão, na mesma velocidade com que anda.

— Fala mesmo— dizia a SerPente.

Mas como temia que o rei da claridade aumentasse a intensidade da sua luz e a frequência do seu calor, a Formiga transforma logo a sua invisível boca num túmulo enfeitado de silêncio.

Assim, inocente que era, pairava sobre as águas da sua mente um formigueiro de questões, tentando saber porque a música havia parado assim que acabara de chegar e porque a Formiga tinha dito aquilo.

Em seguida, os murmúrios intensificaram-se por causa dos raios ultravioletas que o Sol espalhava, começaram a retirar-se um a um. E, em menos de cinco minutos, o local do convívio tornou-se vazio. Só havia ficado o próprio Sol e o seu kamba favorito, o Arco-íris. Este, que também tinha vindo de lá, de cima, contou tudo o que se passava ao seu amigo que, carinhosamente, tratava-o por Razão do Meu Viver.

Desde aquele dia, o Sol só andava com a cara a arrastar-se ao chão. Por vezes, jejuava por falta de apetite. Até pensava em fugir da hipocrisia e inveja dos seus amigos, fugir de tudo o que lhe rodeava.

Contudo, embora os seus amigos não enxergassem a sua razão de existir, ele sabia muito bem o que a sua ausência causaria se desaparecesse. Portanto, seus pensamentos tornaram-se como uma balança oscilante.

Então, num outro dia, todos os que se sentiam lesados com o Sol, decidiram reunir-se, cada qual apresentando o seu problema.

A mãe de todos, a Terra, começou com as reclamações:

— Aquele gajo não me gosta! O que me faz… estou arrependida por lhe ter hospedado em minha casa. Olhem só a minha cabeça ( era no deserto do Saara).

A SerPente exclamou:

— Eh! Está careca, mãe! Já imagino que deve estar em estado de ebulição. Por isso, como não sou a Noite e Dia, então, não vou tocar lá.

E a senhora rastejante acrescentou: ’’E deste lado só tem já um fio de cabelo!- referindo-se à Welwitchia Mirabilis. E a senhora da saliva venenosa concluiu:’’Estás ferrada, mãe’’!

A seguir, a Formiga apresenta as suas reclamações:

— Eu até já nem falo mais. A minha família está a acabar. Quando o Sol abre os olhos, a cada minuto secam dez dos meus filhos. É muita dor e sofrimento!

Todos ficaram sentidos. Ninguém estava em condições de a confortar.

Depois, chegou a voz e vez do filho mais novo da Terra, que dizia ter chegado e tocado na Lua, mas que agora é incapaz:

— Quando estou a trabalhar, basta vir o primo da mamã, sinto-me como os amigos moluscos. Olhem só a minha pele!

— Deixa-me ver!- Pediu a Serpente. E, com a língua à Torre Eiffel, dava sinal de que parecia algo grave.

—Tens cancro da pele, mano?! Dramatizou a questão.

… então, o coração do Homem acelerou-se cinco vezes mais.

Por fim, levantou o pé e a mão o rei dos hamburgers, o Hipopótamo.

— Possas! Me Desculpam, mas estou mesmo zangado com o Soli.

— Não é me desculpam, diz-se: ‘’desculpem-me’’!— Corrigiu o Arco-íris.

— Mas entenderam ou não?— Perguntou o Hipopótamo.

Puseram-se em gargalhadas.

— Sim, podem ter percebido, mas a gramática diz que estás errado. E mais, é Sol, e não…

– Chega!— interropeu-o a Floresta— não vês que o tempo passa?

— Como estava a falá, estou muito zangado com o Solo. Não consigo ficá na água do Lago Dilolo. Aquilo parece panela a fervé— desabafou o rei dos hamburgers.

Dessa vez, o Arco-íris, para não parecer chato claramente, preferiu não corrigir oralmente, mas fez questão de retirar um papel do bolso, e escreveu: ‘’Repito. É Sol. Solo é a tua mãe, aliás, nossa.

Hipopótamo olhou, leu, tentou não ligar, mas disse rapidamente que não queria seguir os caprichos da Gramática, por isso, continuou apresentando as suas inquitações com o seu falar natural, sem calorias das mil regras gramaticais.

Acabadas as reclamações, seria o momento para decidirem como deviam agir para que o Sol fosse embora daquela aldeia.

Enquanto pensavam na melhor solução, o Cágado, nas suas análises, começou a pensar, procurando as causas do comportamento hiperaquecedor e as possíveis consequências se o Sol desaparecesse de uma vez por todas. Foi então que percebeu que ele emite uma temperatura normal como todos os seus irmãos, mas que

sobreaquecia por culpa do Homem: quando as suas fábricas libertavam produtos químicos nocivos à saúde do próprio Sol. Percebeu também que o Homem picava faca nas costas da sua irmã Floresta. De noite, pegava em suas sobrinhas Plantas, que serviam como marquizes daquela aldeia, queimava e cortava-as para fazer cadernos, livros, mesas, camas, enfim, um monte de coisas.

Mas como sabia que muitos não queria ver o Sol de qual quer forma, o Cágado decidiu manter guardadas as suas análises, lembrando Provérbios 9, 19. Sabia também que o queriam ver partir por inveja do seu esplendor, e porque diziam que era estrangeiro, não sabiam o certo a sua origem como muitos reis que passaram naquela aldeia.

Quando o Cágado terminou de viajar no seu íntimo, as discussões entre eles continuavam, pois estava difícil chegar a um consenso. Afinal, na hora da verdade, poucos eram contra o desaparecimento do Sol. Mas, apesar disso, os que eram a favor tinham dois grandes líderes, a Serpente e o Homem. Apresentavam argumentos lógicos e convicentes, mas que no fundo não eram certos e verdadeiros. No final da discussão, todos acabaram por concordar com os dois.

Combinaram então que, quando ele chegasse, todos deviam retirar-se, e quem ficasse, seria considerado Judas. Portanto, mal as instruções do Homem tinham acabadas, eis que o brilho da luz onde estavam aumentara, e, sem antes o terem visto, retiravam-se um de cada vez.

E, quando entrou, o local era um deserto do Namibe: só restava o Arco-íris.

De novo, o Arco-íris em lágrimas, soluçando, tentava contar o que se passava, mas o rei já se tinha apercebido de tudo, e abraçaram-se durante todo o dia.

Quando os seus corpos se afastaram, o Sol confessou a sua decisão ao grande amigo.

— Meu amigo, já não aguento mais! Vou fugir de tudo o que me rodeia. Vou deixar o trono, voltando às minhas origens, à minha antiga casa. Que a prima Terra e os seus filhos sejam felizes sem a minha presença.

Mas o Arco-íris repreendeu-o:

— O que será de mim e dos outros irmãos como o Peixe e a Largatixa? Na verdade, aqui, ninguém conseguirá viver por muito tempo sem ti. Por isso, imploro-te que não vás, Razão do Meu Viver!

Contudo, nem mesmo o oceano de lágrimas do seu melhor amigo convenceram-no da sua decisão. Estava mesmo de malas postas para partir.

— Lamento, amigo. Quero ser feliz , fazendo muitos felizes!— Argumentou o Sol.

— Adeus, irmão! Despediu-se e foi.

E, logo que o Sol desapareceu, o Arco-íris tornou-se um fantasminha. Daí em diante, todos os dias eram noite, a sorte é que a Lua decidiu fazer a vez do seu marido, mas não era a mesma coisa, porque era muito fria e triste.

Depois de uma semana, os efeitos do desaparecimento do Sol eram visíveis no rosto e no corpo de todos os filhos e amigos da Terra.

Muitos começaram a sentir-se como sacos vazios, da Formiga ao Elefante. A amiga Floresta parecia a que mais se sentia derrotada e prejudicada nesta situação, pois a sua fonte de produção alimentar (fotossíntese) era o Sol. E, se a Planta morrer, imagina o que será do Homem e dos outros seus amigos?! Certamente, um desastre para a mãe Terra. Cada minuto que passava, os cabelos verdes da Floresta e das suas filhas Plantas tornavam-se cada vez amarelos e castanhos.

A seguir a alguns dias e noites, depois do desaparecimento do rei da luminosidade, a mãe Terra ficava cada vez mais pálida, com rugas no rosto e sem energia para aguentar o peso do mar de filhos que ainda precisavam do seu colo. A pele do Homem perdia a elasticidade e, não só, já não recebia a vitamina D(que fortalecia os seus ossos) de graça que o Sol destribuía apartir das 12 hora. E aos poucos começava a perder o ar, porque a sua prima Planta já não libertava oxigênio em condições que produzia através da matéria prima que vinha do rei Sol. O pretendente da Terra, o Mar, não ficou de parte naquele todo o desastre. Viu muitos dos seus habitantes serem cozinhados por ele mesmo pela bravura do grande rei. Só sobreviveram aqueles que viviam nas profundezas do seu bairro.

Daí, cada um dos culpados foi percebendo que haviam cometido um erro banal. Por isso, deixando o orgulho de lado, unanimamente, puseram-se de joelhos, menos o Homem, o Leão e a Serpente, porque para eles era uma autêntica humilhação. Eles diziam: ‘’mais vale morrermos queimados que nos arrependermos por aquele estrangeiro imbecíl’’!

Então, o Cagado, aliás, Cágado, com o seu bem falar, em nome da mãe Terra e de todos os seus irmãos e amigos, roga ao Sol:

— Majestade, seja onde estiveres, sabemos que nos estás a ouvir! E, prosseguiu: ‘’Por favor, irmão, rogamos-te clemência pela nossa demência, e perdoa as nossas falhas, assim como algumas vezes te perdoámos quando nos queimaste com teus raios violentos ultravioletas; reconhecemos que agimos por orgulho e inveja do teu esplendor e swegue! Por tanto, pelo teu e nosso criador, imploramos-te, mais uma vez, que venha a nós a tua grandiosidade, que a tua preciosa, infinita e moderada temperatura nos venha acalentar, hoje e sempre!

Todos responderam:

— Amemos o rei e amigo Sol!

Com o coração a derreter-lhe, pensando no seu amigo Arco-íris, o Sol descia como uma centenária a competir na corrida de fim de ano.

No dia seguinte, as pernas da rainha do oxigênio e do Homem estavam trémulas. Era quase o fim das suas jornadas no colo da mãe Terra que asssistia os seus filhos partir.

E quando a esperança já tinha morrido, no meio do caos, surge, qual noiva adornada, o Sol.

Num instante, começaram a ganhar energia, uns mais lentos e outros mais rápidos. E, quando ficaram totalmente abastecidos de energia solar, decidiram organizar uma festa pomposa pelo regresso do rei do NZANGU.

Antes de começar o banquete, o mestre de cerimónia, o Cágado, abriu o mesmo com simples, mas sábias palavras:

— Pessoal, é bem verdade que se o irmão Sol não estivesse aqui, nenhum de nós, por mais que se orgulha-se de si mesmo, sobreviveria. Por isso, saibamos que é preciso saber viver na diversidade, pois somos iguais e diferentes ao mesmo tempo. Ele é o que é, e nós somos o que somos, mas cooperamos para o bem comum. E mais, seja de onde um rei vier, merece o nosso respeito e consideração, desde que o mesmo saiba governar o seu povo, dando-lhes o necessário para a sua sobrevivência.

Depois daquela abertura, a festa começou, mas, de repente, a música parou! Perguntaram-se em coro:

— O que houve, DJ Macaco?

Já por cima do palco, com a mesma decoração, o Sol diz:

— Vou contar-vos um segredo sobre o vosso irmão mais novo. Vai doer, mas tenho de vos contar.

Ninguém queria perder uma só palavra. E sem rodeios, o rei disse:

— O Homem foi o causador do meu super aquecimento, e claro, da vossa mãe também! Ele cortou muitas das vossas sobrinhas Plantas, e queimou-as à sangue frio! E ficaram todos de boca aberta. Mas o Sol disse-lhes que aquilo não era tudo. Acrescentou, questionando-os:

— Os carros que ele fabrica e que vocês guiam com bué de bangas, o quê que libertam?

Respondeu o Hipopótamo:

— Puera!

Muitos tentavam travar o riso, mas não aguentaram. E claro, lá estava o Arco-Íris, vinha com a sua língua borracha, para apagar a falha do rei dos hamburgers.

— Puera é o quê?! Você fala à toa, yá!

— E não é puera, é o quê então?

— Diz-se ‘poeira’!

E acrescentou o Arco-Íris:

— E outra coisa. Os carros não libertam poeira, mas sim, gases, ou seja, fumo.

— Sim, é isso mesmo, amigo,– confirmou o Sol.

E daí, a festa terminou. E, como o Homem não se encontrava aí, naquele momento, porque tinha vergonha e medo do rei, furiosos, foram todos atrás dele com espadas, catanas, e até mesmo fogo.

Conta-se que, até hoje, todos os filhos da Terra andam à procura do Homem pelos danos que tem causado à sua mãe.

***

Marques Nganga nasceu na província do Kwanza-Norte, aos 17 de Maio de 1991. É licenciado em Língua e Literaturas em Língua Inglesa pela FLUAN(Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto), 2019. Aderiu ao Movimento Litteragris em 2018, após frequentar o Curso de Língua Portuguesa e Literatura Angolana em parceria com a UEA. Participou da ‘’Colectânea Escritos de Quarentena’’, promovida pela Edições Handyman, 2020.

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top