O elogio da cor

Por: Pedro Pereira Lopes

Era o dia último de um encontro de escritores africanos em São Paulo. Os debates tinham sido em torno da tacanhez da colonização, do inumano apartheid, da imagem da África no mundo e da literatura. Por vezes, a lástima era mesmo o público, para quem o continente era tão menos popular do que a Marte de Isaac Azimov. No segundo dia, por exemplo, uma mulher perguntou, enquanto se aperaltava para abraçar o microfone:

Quantos anos tem a África? E é verdade que o povo Zulu é o mais forte do continente? E ficou ela sem respostas.

No último evento do dia apresentar-se-ia uma cantora angolana. O nome da artista não me pôs expectante. Conhecia alguma música de Angola, mas nunca tinha ouvido Jéssica Areias. A voz dela, afinadíssima, invadiu-me suave e fresca como alfaces colhidas pela alba. Segundos a seguir, a Fabiana, uma amiga brasileira, deu um salto desajeitado e abandonou o anfiteatro. No final, no cocktail, dei de cara com ela escondida num sofá azul, de três lugares. Quando me viu, ela entornou umas lágrimas miúdas e resmungou, com desgosto:

Ela é branca! Como é que uma branca encerra um encontro de escritores africanos?

Eu virei-me sem saber o que dizer. Ela era negra e brasileira. Detive-me, depois de dois passos. Fabiana costumava dizer que a África era a sua terra-mãe. Sorri, a pensar: a terra-mãe já não tem a custódia do preto.

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