Poemas de Pombal Maria

Textos de Pombal Maria

Outra forma de observar a verdade

Tudo é considerado impossível até acontecer
(Nelson Mandela)

Não é que eu esteja grávido de cidades subterrâneas
ou que a maré de saudades as tivesse naufragado
a forma como emigram as gaivotas do hemisfério sul
causa-me espécie
o velho mar também deságua na noite sentada
formigas operárias têm pontes nas mãos
nas cidades da nuvem como nas subterrâneas
nasce sempre a maré de saudades na praia
muitos cometas brilham mas ninguém os vê
o sonho do pardal fala na cordilheira do dia
cidades de luzes abordam nas paredes da maternidade
os mudos falam cada vez mais os cegos observam melhor
a penúltima tempestade tropical ficou encalhada nos meus pés
não é que eu esteja grávido de horizontes abortados
ou que a maré de saudades os tivesse naufragado
a forma como emigram as gaivotas do hemisfério sul
há forte parentesco com o vento que passa colorido

*

A porta da saída

Finalmente a entrada e a saída têm o mesmo braço
eu até posso voar com as asas do rio
não sei se existe outra gaiola na cidade subterrânea
o destroço d’um oceano lavrado
uns dizem chuva outros paredes
adianta chamar a menina dos teus olhos
a serpente cospe na janela da alma (normalmente é assim)
finalmente a entrada e a saída têm o mesmo braço
gente do gueto dorme por cima da chuva
mas tudo indica que o remoinho congelou
na porta dos 100 abrigo
reeditar a passagem de sol é batalha
sempre adianta o voo suicida da andorinha
as alturas não espantam os corvos
é mesmo no cemitério onde a criança acorda faminta
finalmente a entrada e a saída têm o mesmo braço
eu até posso voar com as asas do do rio

Desenho de Joaneth
Desenho de Joaneth

Aquário Partido

Nossas vidas começam a terminar no dia em que permanecemos em silêncio sobre as coisas que importam
(Martin Luther King JR.)

A boneca já não chora os olhos da janela no hospital
tal como formigas amontoadas no banco de urgência
à emergência já não urge aos peixes no aquário da alma
não é que a lágrima da mosca ultrapasse o espelho
todos os dias afluem ao avesso gerações
não abandonam o choro da maternidade
passam despercebidas lanternas da juba incandescente
posso mudar o coral de galos
amanhã é dia de consulta para as formigas
o hospital virou aeroporto de enteadas almas
o banco de urgência voou a noite laranja
amontoadas formigas procuram a saúde dos rios
nas escadas das estradas verticais
a boneca já não chora os olhos da janela no hospital
tal como as formigas amontoadas no banco de urgência
à emergência já não urgem aos peixes o aquário da alma cidade

*

O preço da consulta de kurandeiro moderno

Quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele.
(Martin Luther King JR.)

O preço da consulta vale a viagem para a cidade subterrânea
queríamos todos andar na copa da árvore o ano inteiro
mas este ano terá apenas um par de sapatos pendurados ao sol
o preço da boca do médico vale a âncora no fundo do mar
um rio na testa da abelha desempregada
ou fio do horizonte cozendo a cortina no nariz da noite
o médico conhece bem a aeronave da alma
um pouco de verniz nas unhas do sol molhado
dói-me o dia dos rios longos na paisagem densa
a consulta será adiante para os dentes do carnaval contemporâneo
(este dia terá os quatro ângulos na cruz na mão da luz)
por acaso
já estava habituados o poente durante a madrugada

***

Pombal Maria nasceu a 16 de Junho de 1968, no município de Quipungo, província da Huíla. Jornalista, poeta, activista cívico, é membro da União dos Escritores Angolanos (UEA). Publicou “Asa do Sonho Ferido“, menção honrosa do prémio Sonangol de Literatura/2001, e “Palavras Lavradas“ (UEA- 2008). É autor de cerca de duas dezenas de artigos e ensaios sobre literatura angolana na imprensa local e digital brasileira, desde a década de noventa do século XX.

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