Texto de Teresa Taimo

Texto de Teresa Taimo

Quarto 8

A porta fechou-se, poupando do senhor José Carlos a massada. Do corredor ouviam-se, seus passos apressados e prontos para isolar mais hóspedes. Na cama, marcas de um passado de pés entrelaçados debaixo de lençóis brancos, sujos pelas juras de amor que o vento encarregou-se de levar para longe. Da janela de madeira de umbila, cheiro da mathapa a mistura com aroma de jasmim, fragrância da moça de blusa amarela que apressadamente passara pelo prédio, e de repente um mar sozinho, ninguém na margem, nem um beijo apaixonado. Volto para mim sem segredos e não consigo encarrar-me. Hoje não, volta amanhã realidade! Ainda não tirei o bilhete para a viagem, não posso arrumar a mala do meu ser, atire-me para as ruas, que eu me perca entre acácias amarelas e o Teatro Avenida se quiseres, até porque lá,no teatro avenida dormem as artes encenadas e eu dormirei com os personagens da Terra Sonâmbula e desfilarei com o Menestrel e os sonetos de Shakespeare, só não me leve embora de mim. Implorei para a realidade olhando para a porta pintada de branco, imediatamente agarro a maçaneta de alumínio simulo abri-la e replico:

* Porque me mandas fazer as malas do meu ser e ir embora para casa, se o meu ser está nas ruas. Sim, realidade entre compartimentos espalhados que os outros chamam de trabalho e escritórios está o meu ser. Aliás, realidade o que está fazendo o futuro dentro do presente? Onde está o passado que não terminei de vivê-lo? Se pensas que devo perguntar ao tempo te enganas, porque o tempo já perdeu a noção dele mesmo, estamos parados! Nos últimos tempos, todos os dias são todos os dias. Nada muda! DEUS, onde está o amanhã, porque estou vivendo o ontem hoje e o hoje é sempre presente. Viro para a janela novamente sem mover-me e vejo timidamente o sol queimar-se de tanto ficar exposto, onde está a compaixão dos astros? Encolhi os ombros me desprezando e concluí:

* Mas também que importa tudo isto? Tudo isto apaga isto e só resta o momento. O momento, suspirei encostando minha cabeça na porta e lentamente larguei a maçaneta a perdoando por trancar a porta. Maria Luísa, não te percas agora, tento sossegar o meu espírito e garanto ao meu ser:

* Não te preocupes, Deus é contigo.

Pintura de João Timane
Pintura de João Timane

Entre o silêncio e a brisa do mar oiço da TV:

* Subiu para mil o número de mortos…

Impávida, silencio a minha mente, estou cansada de isto tudo, estou cansada de tudo isto alguém me ouve, corri para a janela em desespero e gritei:
Olá, ruas! Olá passageiros de “My Love” indo ao mercado grossista! Olá deputados! Olá, pastores! Olá, avenidas agitadas, manequins nas vitrines vejam o sol nasceu o sol está brilhando tem pessoas casando, tem pássaros nas árvores vejam, vejam! Surpreendo-me ao ouvir entre os arranha céus, o “vejam, vejam” da minha voz em retrocesso. Caí em desespero, perdi-me no momento, agarrei-me as palavras da TV e em mil outras mais. Sentei na cama e vi o Aeroporto Internacional de Maputo com pessoas indo e vindo, vi o Mercado do Peixe com pessoas degustando, sorrindo e brindando com taças de vinho a vida. corri novamente para janela e gritei:

* Alguém aí, alguém aí me ouve.

Céus! Nem um ser para chamar-me louca encontrei. Respirei fundo, e mais uma vez caminhei para o centro do quarto, olhei para realidade, e ela estava ali tranquila me observando sem questionar nada e exigindo tudo. Enraivecida segurei na xícara de café encostada na cabeceira e a atirei para a realidade que se fizera de porteiro vigiando a minha estadia, saída e entrada do quarto 8. Não aguento mais, sussurei me deitando na cama chorando desesperadamente ao som da Macua Mariza “o melhor de mim” que timidamente a TV tocara…
Adormeci embalada pela melodia e consolada pela letra. O quarto 8 era muito escuro, não sei se naquela manhã o galo cantara, até porque o galo não canta na marginal, talvez buzinas? Não, nem galo nem buzinas tudo quieto e inquietante, o sol nasceu, espalhando pelo mar os seus raios que seriamente penetravam a janela junto a brisa de Domingo. Do corredor sinto passos firmes e calmos, será o antipático do carcereiro José Carlos? Meio a sonolência tento espreguiçar-me e surpreendo-me com um beijo carinhosamente dado no rosto, abri os olhos lentamente e quando dei por mim era o Ricardo, meu marido me desejando um bom dia, sorri para ele com alívio.

* Ainda bem, que fora tudo um sonho!

***

Teresa Taimo, nasceu no distrito de Chibuto na Província de Gaza. Licenciada em Gestão e Estudos Culturais. É membro efectivo das FADM, sócia fundadora da “Iniciativa Teresa Taimo e amigos”, activista social, pesquisadora cultural e autora do romance “O Regresso do Descontente”.

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