VIZINHOS DE EMERGÊNCIA

De Elcídio Bila

Um choro, tímido, porém inquietante chegou lá de fora, como chega o barulho das turbinas do avião sempre que o motor das aves quer pousar em Mavalane. Ora, o barulho do avião já é tradição na casa, até as crianças criaram uma coreografia para acompanhar a música. É bem diferente do barulho que vinha agora, inocente e cada vez mais hilariante.

– Parece que tia Kita está doente. -apressou-se a Wilma, sempre com um palpite. Aliás, para a menina há, sempre, razões para tudo.

– Estava a lutar.  acrescentou Wezz, assertivo.

– Vão para o quarto! – ordenou o pai, enquanto se despedia da sua vergonha, olhando sem querer para as panelas, maldosas, que se riam da sua barba. Pousou a lata de cerveja com todas as cautelas por cima da lava-loiça e a faca… esta que lhe incomodava a outra mão, como uma arma sem munição, caiu algures, descomandada, à semelhança de uma fruta madura.

Só não colocou o pé para fora de casa, pois se lembrou que o tronco estava nu. Maria, atenta as suas trapalhices, imediatamente atirou-lhe a camiseta de eleição quando está em casa, do Benfica.

Foi aí que o homem saiu, acompanhando ainda a fúria de um choro. Sim, era de uma mulher agredida, percebeu enquanto decifrava a gente doutro lado do muro.

– Não é melhor ir lá em vez de espreitar pelo buraco? – gritou Maria, tentando lhe vestir uma camiseta de educação.

– Não, não se pode sair de casa. – interveio a irrequieta da Wilma, com ares de militar.

– É verdade. – consentiu a mãe, entretanto escandalizada pela ousadia da menina.

Não sobrou mais truques senão o Marito ajeitar sua pupila entre os blocos. Se fosse mais alto, bem que assistiria o filme sem precisar de pagar o bilhete.

– Puxa a cadeira logo, aquele monstro vai matar a Kita.

Monstro?, pensou o homem, intranquilo. Como pode ser monstro alguém com quem muitas vezes dividiram a mesma cerveja e prato de petisco, falaram das miúdas boasda zona (até persegui-las) e arriscavam peladinhas antes de chegar o fim do mundo. Bom, mandou passear o refrear da memória. Puxou na cadeira espreguiçada no quintal, útil para os gêmeos amarrarem a corda e estarem aos saltos a tarde inteira.

– Vizinho, o que se passa?

– Não se mete, bro.

O chamboco na cara foi tão violento que não entendeu a postura do amigo. Virou para esposa, em cintinela à entrada da casa, ladeada pelos meninos. Ela percebeu o seu semblante de pedido de refúgio, por isso, eis que num gesto ordenou para continuar.

– Mas não é assim que se resolvem os problemas, vizinho. O que se passa?

– Esta vadia, afinal, andava a me trair.

– Vão lá para dentro. – Maria, desesperada, queria se livrar dos seus capangas. Estava claro que aquela luta não era para eles.

Quando Marito percebeu que os meninos já não estavam no radar continuou a cavaqueira.

– Não fala assim da tua esposa.

 Djô, ninguém me contou eu vi no seu telemóvel. Mensagens, mano. Ela vai me pagar.

 Ah, afinal viste no telemóvel a tal traição?! – minimizou o amigo, doutro lado do muro. – conversem, não precisam se agredir.

– Isso não vai ficar assim, vizinho, eu te digo. Não posso ser feito de corno.

– Desculpa lá, eu sei que agora há pouco que fazer, mas para além de bisbilhotar no telefone, porque não a fazes massagem, assistam um filme juntos ou cozinha para ela como eu faço aqui em casa desde que ficamos isolados.

– Cozinhar para uma puta, eu?

– Sim, faz isso, amigo, e deixa o telefone dela em paz. Se calhar nem é traição, pode ser apenas conversa de amigos. Mas diz lá, o que vem nessa tal mensagem até ao ponto de bater nela?

– Tu vais me dar razão, irmão, te digo, eu não sou tolo. Eu não sou tolo. Eu não sou toooolo.

– Entendi.  calou-lhe o vizinho.

– É que não sou, viz. – sentenciou, batendo o pé no chão.

– Está bem, fala. – colaborou Marito, curioso. Mais curioso até do que em saber a cura do coronavírus.

– A mensagem mais grave que encontrei. – grita o vizinho, animado em detonar a esposa, com pausas de soluço e outras reticências. – dizia o seguinte: olá, como estás querida?

Marito, que já não tinha estabilidade ou que a cadeira já não aguenta o seu peso, tombou. Mas se não fosse a esposa que explodiu em risos, talvez, ainda se teria mantido firme.

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