Um “Assassino” Chamado Tempo

Por: Estêvão Azarias Chavisso

Cheias de sonhos e iludidas pela fantasia de um grande futuro, éramos só crianças. Além da inocência, vibrava no fundo dos nossos olhos o entusiasmos pela vida, típico de quem atravessa uma época de descobertas. Era tudo novo.

O primeiro beijo no pavilhão da escola, a primeira paixão, a primeira festa noturna da turma , o primeiro copo de cerveja e, até mesmo, o primeiro cigarro, fazia tudo parte deste complexo processo de contínua descoberta, a vida.

As coisas eram bem fáceis e o mundo tinha cores. Sorridentes, corremos muitas vezes descalços pelas mais largas ruas do interior do nosso bairro atrás de uma bola, na inocência de quem esquece que já nasceu com um futuro incerto.

Como para qualquer menino pobre perdido nos subúrbios de uma cidade em expansão, as alternativas eram poucas e, feliz ou infelizmente, não acreditávamos muito na famosa história do “futuro melhor”. Pelo contrário, para nós, a felicidade era o momento.

A primeira menina fica sempre na memória e as longas horas de abraços, beijos e carícias ficam marcadas nos becos escuros do bairro. A verdade é que os amores de infância duram enquanto a inocência prevalecer. Infelizmente, no nosso bairro a inocência durava pouco.

Então aquela linda menina de olhos castanhos foi-se embora e, com ela, foram-se também todas as juras de amor eterno que trocaram no calor daquelas tardes proibidas.

Nós precisávamos de sonhos para preencher o futuro que se nos apresentava e, por força da circunstância, cada um foi obrigado a inventar um. Queríamos ser advogados, médicos e jornalistas simplesmente para responder à questão: “O que queres ser quando cresceres?”.

Na verdade, nós não queríamos nada disso, pelo contrário, nós nem queríamos crescer. Para nós, as coisas estavam boas e podiam assim permanecer pelos próximos séculos.

Mas o tempo corre, as pessoas crescem e as coisas mudam. Vieram os pecados e inocência desfez-se.

Uns perderam os sonhos para a astuta pressão social e outros tornaram-se pais antes mesmo da juventude.

Quase na “crise dos 30”, hoje, de quando em vez, na tão odiada segunda-feira, cruzámo-nos nas estreitas ruas do bairro que nos viu crescer a caminho do “Job”.

Embora de ombros caídos, estamos bem vestidos, com marmiteira na mão e a barba feita dá-nos um ar aparentemente mais responsável.

Mas no fundo, bem lá dentro, sabemos que o mundo derrotou-nos e os inocentes sonhos que decoraram a nossa infância morreram na navalha de um tenebroso assassino chamado Tempo.

Então, discretamente, um piscar de olhos ameniza momentaneamente a situação e, com leves sorrisos no rosto, erguemos as nossas cabeças e cada um segue o seu caminho, num pacto de silêncio.

O futuro poderia ter sido pior?

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